Com a cadeia de abastecimento pressionada em todo o mundo, público recebeu bem as novidades úteis
A maior feira mundial do varejo mostrou que não é hora de pirotecnias ou de criações mirabolantes. Não que isso tenha desaparecido dos estandes das startups no Jacob Javits Convention Center, em Nova York, onde ocorre anualmente o “Retail’s Big Show”, a meca das discussões de inovação do setor.
Ocorre que a crise que fez disparar os custos das empresas, travar cadeias de abastecimento e exigiu uma aceleração nunca vista dos projetos on-line vem obrigando a indústria a oferecer tecnologias aplicáveis já no presente. As novidades são para ontem, e precisam, agora, facilitar a vida do cliente durante e no pós-pandemia. “Aquela era da ficção científica perdeu força. O foco é eficiência, produtividade e aplicabilidade das iniciativas”, diz Eduardo Terra, executivo da BRT-Varese, que ontem esteve numa apresentação sobre a tema, no Harvard Club, em Nova York.
“A grande diferença deste ano é que muita coisa que existia acelerou, ou seja, não é nada anormal, nada ‘rocket science’. É a tecnologia embarcada que melhorou bastante”, diz Grasiela Tesser, diretora da Informática.
Na mesma linha, Jack Kleinhenz, economista-chefe da National Retail Federation (NRF), entidade que organiza a feira, falou em “incerteza substancial” no caminho dos varejistas hoje, e diz que “há muitas perguntas a serem respondidas”, o que acaba aumentando a pressão do varejo em busca de soluções já no curto prazo.
“A pandemia está perto do fim? As interrupções na cadeia de suprimentos serão resolvidas? Quão alta vai a inflação e quanto tempo vai durar? As cadeias [de abastecimento] já estão sobrecarregadas no mundo e as infecções entre trabalhadores podem ser um obstáculo para [atender esse consumidor] ”, escreveu ele dias atrás, em relatório que norteia o debate do evento, finalizado na terça-feira.
Nesse ambiente de novas ondas de contágio, a própria feira sentiu o baque. Cisco, Oracle, SAP, Amazon, Google decidiram não ter estandes pelos riscos da pandemia. Foram 25 mil participantes, versus 38 mil em 2020 e 775 expositores, queda de 6%.
Para o curto prazo, com foco nessa agenda após a crise sanitária, a Gartner estima que os investimentos em tecnologia devem superar, pela primeira vez, os US$ 200 bilhões em 2022 no mundo, segundo relatório no fim de 2021. É pouco mais de 7% de alta, ritmo superior ao do ano passado (5,9%). Até 2025, serão mais US$ 60 bilhões, equivalente à receita anual da Apple em seu aplicativo.
Segundo consultores, nesse ambiente de cadeia de abastecimento pressionada, avançaram iniciativas que ajudam redes a melhorar a gestão de níveis de estoque e o planejamento. São tecnologias de rastreamento em tempo real da coleta à distribuição dos produtos, e comunicação do problema de forma mais rápida. Isso aumenta a eficiência no on-line, que no Brasil cresceu 30% em 2021, e vem ajudando a sustentar lojas na crise.
Dentro desse conceito, robôs que fazem seleção de produtos nos centros de distribuição dos sites – antes, alvo de frenesi nos eventos – foram destaque pela quantidade de opções, segundo executivos ouvidos. Há robôs mais simples, em formato de torre, que carregam pacotes e interagem com humanos nos armazéns, como é o caso do modelo da americana Locus Robotics, presente da feira.
Outras máquinas são 100% automatizadas, sem qualquer contato humano, como os da norueguesa AutoStore, que caminham em alta velocidade coletando e despachando em cima de “grades” que orientam os movimentos, e também já em uso (Amazon e Alibaba têm o modelo em algumas centrais). No Brasil, isso não está em uso ainda.
De certa forma é o que já se tinha lá fora, mas eles estão mais rápidos, têm menos panes e o ganho de escala barateia a máquina. Há robôs a partir de US$ 35 mil. “Um dos modelos da Locus, que ela aprimorou desde 2020, vendeu quatro mil unidades durante a pandemia. Ou seja, estão preparados para entregar o equipamento ao mercado hoje”, diz Tesser.
Outro robô, da Avid Bots, que varre e esteriliza a loja com álcool, tem menos de 1,3 metro de altura por 1,5 metro de comprimento, e desvia de obstáculos na loja. Foi apresentado como sendo capaz de limpar três mil metros quadrados por hora, ao custo de US$ 67 mil (pelo pulverizador de álcool, são mais US$ 8,5 mil) – e promessa de pagar o investimento em seis meses.
Essa questão da eficiência nos gastos acaba sendo tópico comum nesses eventos anuais, mas Carlos Carvalho, CEO da Truppe, empresa do grupo Gouvêa Ecosystem, entende que a aposta em tecnologias já consolidadas e escaláveis ganha fôlego em tempos de crise global.
“Vimos exemplos de assistente virtual que fala como humanos. Ele consegue te dar a resposta que você precisa, o que não é muito comum hoje em dia, e ainda tem as feições bem mais naturais, a um custo de US$ 2,9 mil ao ano para aplicação em vários painéis, para venda nos EUA e China. É reflexo prático de avanços no ‘machine learning’ ”, afirma ele.
Há mudanças que melhoraram a experiência da compra, e são visíveis aos clientes. Para reduzir filas e diminuir aglomerações, a japonesa Glory mostrou caixas de autoatendimento que aceitam dinheiro, e não apenas cartões. A startup Facil’iti vende uma espécie de “plug in” que se instala no site e o habilita para uso a pessoas com alguma dificuldade motora ou cognitiva, como daltônicos. A Revery.Ai apresentou um sistema que transforma qualquer imagem para os sites em 2D para 3D.
Consultores lembram que as decisões de investimento em tecnologia nas redes no país neste ano precisam considerar um cenário de retomada gradual no consumo e de aumento nos custos do capital. A necessidade de retomar abertura de lojas, que perderam força após 2020, também entram nesse cálculo.
Fonte: Adriana Mattos, Valor