Por Clilson Filippetti
A NRF Retail’s Big Show, o maior evento do varejo global, é um marco para os profissionais do setor. No entanto, a verdadeira transformação vai além dos três dias de palestras e networking que acontecem em Nova York. Para captar as tendências e inovações que estão moldando o futuro do varejo, é preciso olhar atentamente para o que acontece nas ruas desta cidade, que respira mudança e adaptação constante.
Em preparação para a NRF 2025, decidi chegar a Nova York com antecedência, cerca de 60 dias antes do evento, para explorar as práticas do varejo local e tirar lições valiosas para o mercado brasileiro. Pelo fato da Superhiper ter como foco o setor supermercadista, vou me concentrar nos cases deste segmento, mesmo tendo visitado outros varejos que estão experimentando novidades relevantes voltadas ao mercado de alimentos e consumo. Mas não deixarei de citá-los para reforçar meu compromisso em ajudar as empresas que assessoro a se reinvientar e prosperar, mesmo em tempos desafiadores.
O “Game Changer”
O tema da NRF 2025, “Game Changer”, refletiu com precisão as transformações profundas que estão redesenhando o varejo global. A revolução tecnológica, a crescente demanda por soluções sustentáveis e o foco no consumidor consciente emergem como pilares desse novo cenário.
Um dado marcante que exemplifica tudo isso vem de um estudo do site Health and Well-Being: 80% dos millennials consideram os benefícios para a saúde ao escolher seus alimentos, em comparação com 64% dos baby boomers. Esse movimento revela uma evolução comportamental que transcende as gerações mais jovens, consolidando-se como um novo padrão em mercados urbanos. No entanto, adotar hábitos saudáveis ainda é um desafio, especialmente em grandes metrópoles como Nova York. Restaurantes costumam ser caros e lotados em horários de pico, enquanto os consumidores buscam opções rápidas, frescas e acessíveis para atender às suas rotinas intensas. Além disso, o consumidor consciente de hoje não apenas valoriza a própria saúde, mas também está atento ao impacto ambiental das marcas que consome. A responsabilidade socioambiental deixou de ser um diferencial e passou a ser uma expectativa fundamental.
E para entregar tudo isso, temos a tecnologia com estratégias como a hiperpersonalização, que permite customizar a experiência do cliente ao máximo, trazendo soluções altamente aderentes às suas necessidades com base na coleta e análise de dados de compra. Destaco aqui, quatro exemplos que mostram como os supermercados estão se adaptando à essas novas exigências do mercado.
1. Eden Gourmet: é um ótimo case de como uma pequena rede (com duas lojas) pode oferecer uma experiência única e centrada no cliente. A loja se diferencia com a exposição de frutas frescas, flores e verduras na calçada, criando um ambiente acolhedor e convidativo, semelhante ao charme de uma feira de bairro. Além disso, seu serviço exclusivo de buffet e menus customizados para eventos eleva o nível de sofisticação e personalização, atendendo a um público que busca algo além do varejo tradicional. Essa abordagem resgata o valor da conexão humana e da experiência individualizada, um diferencial que, segundo tendências da NRF 2025, será cada vez mais essencial para conquistar e fidelizar consumidores.
2. Wegmans Broadway (inaugurado em 2023): Este supermercado é um exemplo de como é possível unir a qualidade premium dos produtos com a inovação na experiência de compra. Com uma enorme variedade de alimentos frescos, carnes, frutos do mar e produtos prontos para consumo, o Wegmans oferece aos clientes uma experiência de alta qualidade. O layout intuitivo e o uso de tecnologias para criar uma experiência híbrida, onde o cliente pode iniciar sua compra online e finalizá-la na loja física ou ainda o self-checkout, contribuem para uma experiência de compra mais eficiente e agradável. Outra tendência adotada é o uso de tecnologias como RFID – tecnologia que protege os dados dos cartões de crédito e documentos pessoais contra a leitura sem contato para gestão de estoques e realidade aumentada (AR) para engajar clientes, proporcionando experiências interativas e educativas nas lojas. Além do Wegmans, o Whole Foods também está investindo nesses recursos para oferecer um atendimento mais personalizado e eficiente.
3. Whole Foods Market Daily Shop, na Upper East Side: Em um espaço compacto de menos de 1.000 m², o Whole Foods Daily Shop oferece uma experiência de compra voltada para a conveniência. Com produtos frescos, refeições prontas e uma curadoria cuidadosa, esse formato de supermercado é um exemplo de como adaptar o modelo tradicional a um público que busca praticidade sem comprometer a qualidade. Assim como o Wegmans, essa loja ainda integra inteligência artificial (IA) em suas operações para personalizar ofertas, prever demandas e reduzir desperdícios.
4. Trader Joe’s Pronto: A rede tem foco na conveniência, oferecendo uma seleção de produtos prontos para o consumo, como wraps, saladas e kits de refeição. Este supermercado é a solução ideal para consumidores urbanos que buscam rapidez, mas não abrem mão de um produto de qualidade e com preço acessível. A personalização da oferta, com opções para todos os gostos e necessidades alimentares, torna esse formato altamente atrativo.
5. Baldor Foods: A empresa está explorando em algumas rotas o uso de inteligência artificial preditiva para transformar sua operação. Essa tecnologia permitirá antecipar os pedidos de acordo com a frequência, rotina e perfil de compras dos clientes. Com isso, a Baldor conseguirá abastecer seus 225 caminhões antes mesmo que os pedidos sejam realizados, garantindo agilidade e eficiência no atendimento de seus mais de 14 mil clientes no canal food service. Outra iniciativa de destaque é o Fresh Cuts, a empresa oferece alimentos pré-cortados e porcionados. Essa solução reduz significativamente o trabalho nas lojas, otimiza o tempo das operações e contribui para a diminuição do desperdício de alimentos, alinhando-se às práticas de sustentabilidade.
Reflexões e impactos no varejo até 2026
O cenário global apresenta desafios complexos que devem impactar o varejo nos próximos anos. Nos EUA, a agenda econômica conhecida como “Trumponomics” foca no aumento de taxas de importação, controle da imigração ilegal e fortalecimento do dólar, podendo elevar a inflação e reduzir o consumo interno. Simultaneamente, eventos como as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, a desaceleração da China e os juros globais elevados reforçam incertezas econômicas. Conceitos como “Near shore”, “Friendly Shore” e “Just in time” para“Just in Case” vêm ganhando força, priorizando estoques estratégicos e parcerias próximas para mitigar riscos na cadeia de suprimentos.
No Brasil, a crise de confiança fiscal, juros altos, moeda desvalorizada e a dependência de exportações para a China expõem vulnerabilidades. O crescimento menor da economia chinesa pressiona os preços de commodities e compromete a balança comercial, em um contexto de dívida crescente e fuga de capitais.
Para o varejo, adaptar-se a esses desafios exige investimentos em tecnologia preditiva, diversificação de mercados, estoques estratégicos e práticas sustentáveis. A resiliência e a inovação serão diferenciais cruciais em um cenário global repleto de transformações.
Diante disso, como o setor supermercadista pode se preparar?
- Coloque o consumidor no centro
O cliente é a essência do seu negócio. Sem ele, a operação não sobrevive. Inspire-se no varejo americano, onde o cliente é integrado às decisões estratégicas, assegurando que suas necessidades e expectativas guiem o rumo da empresa. - Transparência é blindagem
Uma estrutura financeira transparente é indispensável para mitigar riscos, prevenir prejuízos e fortalecer a credibilidade. A governança atua como um pilar fundamental, promovendo confiança e clareza, tanto internamente quanto externamente. - Faça o básico impecavelmente
Antes de pensar em inovações complexas, assegure-se de que o essencial está sendo executado com perfeição, especialmente no ponto de venda (PDV). É lá que tudo acontece. Loja organizada, produtos disponíveis e atendimento eficiente são os pilares de uma boa experiência de compra. - Reveja constantemente o mix de produtos
Ofereça produtos alinhados ao perfil do consumidor. Um mix inadequado compromete o fluxo de caixa e prejudica as vendas. Seja assertivo e elimine produtos que não geram vendas. - Crie uma loja atraente
Sua loja deve ser um ambiente convidativo. Manter um espaço limpo, organizado, sem rupturas de estoque e com atendimento fluido é crucial para atrair e fidelizar clientes. - Engaje emocionalmente o consumidor
Para que o cliente se apaixone pela sua marca, é essencial oferecer valores e princípios alinhados aos dele. Construa uma conexão genuína e relevante com seu público. - Adapte-se às mudanças
O sucesso de ontem não garante o de amanhã. O mercado está em constante transformação, e quem não se atualiza corre o risco de se tornar obsoleto. Acompanhe as tendências e mantenha-se relevante. - Foque no fluxo de caixa em tempos de crise
Durante períodos desafiadores, priorize a manutenção e o aumento do caixa. Cresça de forma cautelosa e planejada, sem comprometer a saúde financeira da empresa. - Fortaleça a cultura organizacional
Uma empresa sem cultura sólida dificilmente prospera. Os valores e princípios devem estar presentes em todas as áreas e práticas da empresa. “Walk the talk” – faça o que você prega. - Invista nas pessoas
Seus colaboradores são o maior patrimônio da sua empresa. Eles são a interface direta com o cliente e precisam ser valorizados, capacitados e engajados para entregar a melhor experiência possível. - Busque eficiência operacional
Corte desperdícios e elimine custos desnecessários. Pequenos descuidos diários podem se transformar em grandes prejuízos ao longo do tempo. - Planeje seus investimentos
Antes de investir, tenha certeza de que o retorno será maior do que o custo. Avalie, planeje e tenha uma estratégia clara antes de buscar recursos externos.
Minha imersão no varejo de Nova York foi uma oportunidade única de observar como essas tendências estão sendo aplicadas na prática. Espero que essas reflexões inspirem outros profissionais do setor a repensar suas estratégias e a se preparar para o futuro, pois, como vimos na NRF 2025, o futuro do varejo já começou.
