Olegário Araújo
Cofundador da Inteligência360, conselheiro e pesquisador do FGVcev
Olegario.araujo@in360.com.br
Uma pergunta que costumo fazer aos executivos do varejo é: o que significa comprar bem? As respostas são variadas, mas, diante das mudanças em curso, os profissionais da área de compras precisam fazer uso de uma nova “C.H.A.V.E.” para ressignificar as negociações. Isso envolve: conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções — elementos essenciais para atender às expectativas dos clientes e entregar o resultado esperado pelos acionistas em um ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo.
As competências técnicas podem ser classificadas em conhecimento (o saber) e habilidades (o saber fazer). Já as competências comportamentais envolvem atitudes (querer fazer), valores (por que fazer) e emoções (como fazer).
Dessa forma, em um ambiente polarizado, a inteligência emocional passa a ser um elemento essencial para o sucesso nas negociações, tanto internas quanto externas. Confira, a seguir, as características e as habilidades necessárias para uma atuação eficaz desse profissional.
Características
- O profissional da área de compras precisa ter uma visão sistêmica – um olhar de ponta a ponta, que começa com as tendências, passa pela proposta de valor da empresa (o que deseja ser para quem) e chega ao resultado financeiro. Ele deve ser um profissional “tipo T”, combinando a visão do generalista (horizontal) com a do especialista (vertical)
- Conhecer as tendências de consumo que impactam os comportamentos de compra, como ESG (ambiental, social e governança), para repensar o sortimento e a forma de interação com o shopper (a pessoa que efetivamente compra) e com todas as partes interessadas
- Como generalista, é fundamental entender o posicionamento e a estratégia da empresa, conhecer o shopper, os públicos-alvo, o gerenciamento por categorias (GC), o supply chain & a logística, o pricing, o marketing, o trade marketing, o ponto de venda e as finanças. Esse conhecimento permite dialogar com base em fatos e dados com todas as áreas
- Enquanto líder, atuar levando em conta diversidade, inclusão e equidade para a construção de um ambiente inspirador e engajador. O varejo precisa ser um microcosmo da sociedade para permanecer relevante
- Ter pensamento crítico, mente aberta, proatividade, curiosidade e empatia para fazer boas perguntas, conectar pontos e identificar novas oportunidades de negócio, além de encontrar soluções criativas para um shopper cada vez mais exigente, bem-informado e com mais opções
- Manter o shopper no centro das decisões. Afinal, ele é a razão da existência da empresa, e perder relevância para ele pode ser fatal
- Ser um articulador/orquestrador capaz de conduzir negociações estratégicas com maestria, especialmente na construção conjunta do plano de negócios, com diálogo, transparência, inovação e benefícios mútuos. E, acima de tudo, cumprir o que promete, pois “o combinado não é caro”
- Ter fatos e dados, como linguagem comum para facilitar o diálogo e estabelecer objetivos específicos, mensuráveis, acionáveis, relevantes e bem-definidos no tempo. Usar a informação não só reduz a incerteza, como melhora a comunicação e a busca por soluções eficazes
- Como especialista, desenvolver a habilidade de ler, interpretar, comunicar e argumentar com base em dados
- Distinguir relações transacionais de estratégicas centradas no shopper. O cliente é o que a indústria e os representantes têm em comum
- Estabelecer relações estratégicas para inovar antecipando tendências e diferenciando-se da concorrência, no lugar de apenas copiar
- Entender que a maior eficiência da área de compras/comercial nem sempre resultará na melhor eficiência da empresa. Comprar bem nem sempre gera o melhor resultado
- Ter flexibilidade para atuar em times multidisciplinares, seja como líder ou integrante sob a liderança de outra área. O profissional de compras precisa ser um orquestrador, integrando todas as áreas para alcançar o melhor resultado. Afinal, todos são vendedores e estão no mesmo barco
- Ser apaixonado pela busca de novas soluções para problemas recorrentes
- Trabalhar para entregar o melhor retorno sobre o investimento para todas as partes interessadas.
ERA DA INCERTEZA
A sociedade está passando por profundas transformações. Nesse contexto, é vital sair do piloto automático e da zona de conforto para reaprendermos a conhecer, fazer, ser e conviver.
Novos conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções serão necessários para gerar resultados positivos em um mundo volátil, incerto, complexo, ambíguo, frágil, ansioso, não constante e incompreensível. sim, citei os acrônimos em inglês de dois. o primeiro deles é vuca (um acrônimo que se refere a um ambiente caracterizado por volatilidade (volatility), incerteza (uncertainty), complexidade (complexity) e ambiguidade (ambiguity)). o segundo é bani (um acrônimo que se refere a um ambiente caracterizado por ser frágil (brittle), ansioso (anxious), não linear (nonlinear) e incompressível (incomprehensible)). embora haja sobreposições, ambos são poderosas sínteses do momento atual.
No entanto, a liderança da empresa precisa criar condições para o desenvolvimento dessas novas habilidades técnicas e relacionais. É essencial que os objetivos sejam compartilhados, que haja um fluxo eficiente de produtos e informações, uma comunicação fluida e um senso de pertencimento entre os colaboradores. Todos precisam sentir que fazem parte de algo maior, que estão remando na mesma direção e ritmo, e que a meritocracia é uma realidade em um ambiente justo.
A incorporação de novas especialidades e a reestruturação organizacional são aspectos fundamentais, mas devem estar alinhadas a um propósito maior. Algo que dê sentido à vida das pessoas e as motive, permitindo que comecem a semana inspiradas e terminem o dia realizadas.
Atrair, desenvolver e reter talentos na área de compras (comercial) dependerá da capacidade dos líderes de inspirá-los, para que não se tornem profissionais apáticos, presos ao piloto automático, sem condições de mapear oportunidades e correr riscos para inovar.
Para finalizar, cito Confúcio: “a palavra convence, mas o exemplo arrasta”. A liderança precisa ser o exemplo dessa transformação.
Esses novos conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções — C.H.A.V.E — fazem sentido para você? O que acrescentaria? Como a liderança pode contribuir efetivamente para essa transformação na área de compras? Vamos conversar? Compartilhe sua opinião!