Por Clilson Filippetti*
Muito se tem falado sobre cultura organizacional. Decidi mergulhar nesse tema com base na vivência prática que carrego ao longo dos anos atuando como consultor e conselheiro em empresas de diferentes perfis e portes. Meu objetivo aqui é explorar como a cultura impacta diretamente o presente e o futuro das organizações — para além de quadros na parede com missão, visão, valores e propósito.
Um dos maiores equívocos que presencio é acreditar que o sucesso passado de uma empresa garante seu futuro. O mundo é dinâmico e os negócios estão inseridos nesse fluxo de mudanças. Vale lembrar que redes CVS e Walgreens nos EUA, que vêm perdendo espaço para a Amazon, um exemplo que ilustra o risco de empresas bem-sucedidas ignorarem sinais do mercado e da sociedade — muitas vezes ligados à sua própria cultura interna.
Hoje, inovação e tecnologia deixaram de ser diferenciais para se tornarem pré-requisitos. A inovação precisa estar conectada à real necessidade do cliente. Como Jim Collins destaca em Empresas Feitas para Vencer, o cliente não compra um produto ou serviço: ele compra a solução para sua dor. E é aqui que entra a cultura. Uma cultura voltada para o cliente pensa, age e evolui com esse foco.
A tecnologia, por sua vez, é um catalisador dessa transformação. A inteligência artificial já está incorporada a diversos processos, desde recrutamento, controle de estoque, precificação dinâmica até o autoatendimento em supermercados. Visitei recentemente lojas como a Apple Store e o novo modelo Whole Foods Market Daily Shop, ambas em Nova York. Apesar da alta tecnologia embarcada, o que mais me chamou a atenção foi o atendimento humanizado. Em ambas, a cultura organizacional é clara, sentida na experiência e não apenas descrita em um manual.
Essa vivência reforça um ponto essencial: cultura organizacional não é apenas o que está declarado, mas o que é vivido. Cultura se sente. Está no ambiente, nas atitudes, na forma de comunicação, no jeito como os colaboradores se relacionam entre si e com os clientes. Quando bem alinhada, “ela cria coesão e engajamento — do porteiro ao CEO”.
Mas o contrário também acontece. Ao longo dos anos, identifiquei sinais recorrentes de culturas organizacionais problemáticas:
Sinais de uma cultura disfuncional
- Evasão de clientes e metas recorrentes não atingidas
- Falta de engajamento dos colaboradores
- Alto turnover
- Processos lentos e burocráticos
- Falta de clareza estratégica da liderança.
Esses sinais muitas vezes passam despercebidos pelos altos executivos. E ao investigá-los, surgem três padrões de cultura negativa:
- Cultura tóxica: Ambientes marcados por desrespeito, conflitos internos e comunicação falha
- Cultura do medo: Colaboradores inseguros, ideias sufocadas e decisões centralizadas em lideranças autoritárias
- Cultura infantilizada: Falta de autonomia e excesso de microgestão, comum em empresas familiares onde o fundador concentra todas as decisões
É impossível discutir cultura sem falar de pessoas. No livro Como as Gigantes Caem, Jim Collins descreve o Ciclo de Vida das organizações e destaca que “o sucesso sustentável exige foco nas pessoas certas em uma cultura de excelência. A cultura deve estar no centro de qualquer estratégia de crescimento de longo prazo.”
Cultura e longevidade das organizações
Para ilustrar e fortalecer minha discussão, trago o exemplo de uma empresa centenária que se tornou um verdadeiro ícone do varejo alimentar em São Paulo. Fundada em 1926, a Casa Santa Luzia permanece firme nos Jardins, um dos bairros mais tradicionais e sofisticados da capital paulista. Hoje, a empresa está sob a condução da terceira geração da família, aliando tradição à gestão profissional, com uma cultura organizacional sólida que atravessa décadas. Mas o que explica esta perenidade?
A Casa Santa Luzia alia tradição e inovação com foco absoluto no cliente, oferecendo atendimento personalizado, escuta ativa e produtos de alta qualidade cuidadosamente selecionados. Com paixão pela gastronomia e um time engajado, constrói vínculos duradouros com consumidores, colaboradores e fornecedores. Seu compromisso com a sustentabilidade e a adoção de práticas alinhadas ao ESG refletem uma cultura organizacional viva e em constante evolução. Mais que um supermercado, é um símbolo de longevidade com propósito, excelência e responsabilidade.
Guardiões da cultura organizacional
Nesse cenário, o papel dos guardiões da cultura organizacional é fundamental. Quem são eles? Conselhos de Administração ou Consultivos e a área de Recursos Humanos. Os Conselhos — formados por líderes experientes — mantêm o foco no longo prazo, assegurando que o DNA da empresa não se perca nas transformações. Já o RH é o braço operacional da cultura, cuidando da seleção, integração, comunicação e desenvolvimento dos colaboradores.
Por isso, reforço: cultura organizacional é o alicerce sobre o qual se constrói (ou destrói) a perenidade de uma empresa. Mais do que slogans ou declarações institucionais, ela precisa ser vivida, guardada e transmitida diariamente a todos os colaboradores independentemente do cargo que ocupa.
* Clilson Filippetti – Conselheiro certificado e CEO da CL Consultoria Comercial, Clilson Filippetti é um especialista em gestão comercial com MBA pela FIA e pós-graduações em Marketing e Administração. Sua expertise em Governança Corporativa em Empresas Familiares, aliada à experiência em Sales & Operations Planning, o torna um parceiro estratégico para empresas que buscam excelência em seus resultados