Rede de médio porte adota a tecnologia para atrair mais clientes com a novidade e ver o faturamento crescer
A secretária aposentada Vera Parise, de 68 anos, não imaginava que um dia faria parte de uma verdadeira cena de Os Jetsons. A série animada dos anos 1960 mostrava como seria o futuro da humanidade com tantas inovações tecnológicas, de carros voadores a cidades suspensas e robôs fazendo tarefas domésticas. Mas no último dia 20 ela deu de cara com um robô enquanto fazia compras na loja da rede de supermercados Hirota na Vila Monumento, Zona Sul de São Paulo.
Falante, o equipamento logo puxou conversa: cumprimentou, perguntou o seu nome e se dispôs a ajudá-la a encontrar os produtos na loja. “Acho bárbaro, sensacional essa evolução tecnológica”, disse a aposentada.
A reação de Vera é exatamente o que os varejistas buscam ao investir em robôs e em outras novidades tecnológicas, como, por exemplo, o pagamento por reconhecimento facial e o self-checkout – caixas em que o próprio cliente registra as compras e paga, sem a necessidade de interagir com nenhum funcionário.
Com a concorrência acirrada e o avanço do comércio online, supermercados de médio porte estão apostando em inovação para criar novas experiências de compra na loja física e fidelizar clientes.
No caso da rede Hirota, faz um mês que a empresa começou a avaliar o uso de robôs autônomos. O plano, segundo o diretor Hélio Freddi, é manter dois equipamentos na loja da Vila Monumento, que é a sede da empresa e funciona como uma espécie de laboratório. Nas outras 17 lojas da rede, a ideia é ter pelo menos uma unidade.
Batizado de Shyko (Chico em japonês), o robô terá tanto funções de atendimento ao cliente quanto de operação. Marcio Akamine, gerente de Tecnologia de Informação da rede, conta que, além de ajudar o freguês a encontrar os produtos na loja, ele irá capturar em seu painel dados dos clientes para posterior envio de ofertas.
O Shyko também vai controlar a disponibilidade de produtos nas prateleiras – mandando mensagens online para reposição – e conferir etiquetas com os preços que estão no sistema, especialmente neste momento de inflação em alta, em que alterações de valores são constantes.
O investimento no equipamento é pequeno: R$ 60 mil, em caso de aquisição, e R$ 6 mil mensais, se for alugado da startup que inventou o robô, a Human Robotics.
O pai do robô
Fundada em 2018 pelo engenheiro francês Olivier Smadja, em Curitiba (PR), o plano inicial da empresa de robótica e inteligência artificial era desenvolver um robô autônomo para cuidar de pessoas idosas dentro de casa. “Mas, na época, não havia tecnologia pronta para isso”, diz Smadja. Hoje, no entanto, o projeto para uso de robôs como cuidadores foi retomado e ampliado para outros setores, especialmente para o varejo.
Além do Hirota, Smadja diz que duas outras redes de supermercados de porte médio – uma do interior de São Paulo e outra do Paraná – avaliam o uso de robôs autônomos em suas lojas.
Outras iniciativas
Faz um mês que o St. Marche, outra rede de porte médio, com 26 lojas em São Paulo e voltada para clientes de alto poder aquisitivo, implantou a tecnologia de pagamento por meio do reconhecimento facial.
O projeto, que está em operação em cinco lojas em caráter experimental, foi desenvolvido em parceria com a Mastercard e envolve o uso de um aplicativo que deve ser baixado no celular para cadastrar o rosto do titular e as formas de pagamento. Em sete lojas, a rede também já implantou caixas no modelo self-checkout.
Segundo Bernardo Ouro Preto, presidente do St. Marche, a intenção com a implementação desses recursos é melhorar a experiência de compra dos consumidores. Outro ponto favorável destacado pelo executivo na adoção dessas tecnologias de pagamento é a questão da segurança, pois inibe tentativas de fraude e diminui riscos de assaltos na loja.
Fidelização
Para o consultor de varejo Marco Quintarelli, sócio da AZO Negócios, todas as iniciativas do varejo de médio porte de investir em novidades tecnológicas nas lojas físicas têm endereço certo: fidelizar o consumidor e diminuir o atrito na hora da compra.
O consultor observa que os principais focos de atrito ocorrem quando o cliente não encontra o produto que procura e quando ele vai passar no caixa. “Dói mais para o consumidor ficar numa fila do caixa na hora de pagar a conta”, diz.
Além da concorrência acirrada entre as redes varejistas, Quintarelli observa que o avanço do e-commerce ocorrido durante a pandemia acelerou a transformação digital da lógica física. É neste quesito que entra o uso mais intensivo de tecnologia. “A loja física tem de criar outros atributos, outros instrumentos que gerem interesse para que o consumidor saia de casa e vá à loja.”
O que se nota é que as redes de porte médio têm sido mais rápidas para implantar mudanças tecnológicas no relacionamento com o consumidor comparadas a gigantes do setor. Dois fatores explicam, na opinião do consultor, o pioneirismo das varejistas de tamanho intermediário.
Um deles é o barateamento da tecnologia, que deu a essas redes acesso a novos recursos. Outro fator é que, em empresas de porte médio, as decisões são mais imediatas. “O dono de uma rede de 20 lojas decide o que fazer e investe, enquanto numa multinacional as mudanças dependem de outras instâncias.”
Fonte: Márcia de Chiara, Estadão