O consultor Olegário Araújo fala do novo papel da área comercial dos supermercados e da importância dela operar de forma integrada a outras áreas
*Olegário Araújo
É comum executivos do varejo se referir a área comercial como o “coração da empresa”. Indiscutivelmente, a área comercial é fundamental por estabelecer a ponte com os fornecedores e também internamente, mas para o coração operar bem, precisa do pulmão e todos os demais órgãos, os sistemas e as artérias, que são os vãos comunicantes.
A pandemia acelerou a evolução do varejo, e suas estruturas, competências das pessoas, processos e tecnologia estão sendo repensados. No geral, o que se constata é uma mudança estrutural, com a criação de áreas como Gerenciamento por Categorias, Pricing, Trade e Marketing com foco em clube de clientes/mídias digitais e a área de logística/abastecimento. Promover essas transformações é fundamental e demonstra o quanto o varejo é dinâmico.
Entretanto, permanecendo com a metáfora do coração, há empresas que o comercial está com alguns sintomas preocupantes e que precisa de cuidados.
Papéis, responsabilidades e expectativas
A incorporação de, pelo menos de uma das áreas citadas anteriormente, implica em uma redefinição de papéis e responsabilidades do comercial. A ausência dessas definições tem aumentado a ansiedade e o estresse das pessoas em todas as áreas, comprometendo as relações e, consequentemente, a produtividade e o resultado. Por vezes, há um jogo de empurra-empurra e todos colocam mais tempo na discussão do problema, inclusive no cafezinho, e não na solução. Para exemplificar, reproduzo a seguir algumas situações que tenho escutado de profissionais em diferentes momentos de suas vidas profissionais.
Recentemente, escutei de um executivo da área comercial, que estava muito ansioso e inseguro, o seguinte: “Eu não sei o que a liderança espera de mim. Quem define o sortimento é GC, preço é Pricing, quantidade é Abastecimento e ações na loja é o Trade. Eu não tenho autonomia, mas sou cobrado pelo resultado. Quando o resultado é positivo, eu não fiz mais do que a minha obrigação, mas quando dá errado, a bronca é certa.”
Eu também já ouvi de assistentes da área comercial que, além do medo de serem substituídos pela máquina que poderá automatizar os pedidos, que não querem ser promovidos por não perceberem claramente os benefícios em comparação com a pressão e desgaste. Deparei-me, também, com uma situação na qual um profissional que atua na área comercial há muitos anos, com uma trajetória de sucesso, mas acostumado a tomar decisões com base no feeling e com pouquíssimas habilidades analíticas. Embora constrangido, mas com humildade e coragem, veio me pedir ajuda para dar os primeiros passos para se desenvolver analiticamente, se comunicar e tomar decisões dentro de um novo contexto, preservar seu emprego e entregar melhores resultados. Considero este um exemplo um símbolo de um profissional que tem tudo para continuar tendo sucesso.
Em outra situação, um líder me relatou que tinha investido muito em um Business Intelligence (ferramenta que permite visualizar as informações de forma integrada e mais analítica), mas que a equipe comercial não estava utilizando. No diagnóstico, foi possível compreender que alguns profissionais – há menos tempo na empresa – não sabiam que tinham a ferramenta ou não tinham acesso à mesa; outros não foram treinados em como acessar; tinha aqueles que não entendiam as variáveis e como usá-las para tomar melhores decisões; parcela do time não confiava nas informações; e por fim, tinha o desafio do tempo porque passavam a maior parte apagando incêndios.
O que fazer?
Sem a pretensão de esgotar a descrição da realidade, que é complexa, há empresas e profissionais em diferentes momentos. A dimensão humana precisa ser considerada sob o risco de se comprometer uma iniciativa que é vital para o futuro da empresa, inclusive na formação de novos líderes para a área.
É importante assinalar que há líderes conduzindo muito bem esse processo de transformação da área comercial, redefinindo o papel e as responsabilidades, alinhando expectativas, ou seja, o que se espera em termos de desempenho de suas funções no dia a dia e empoderando os profissionais da área comercial com um novo papel ou significado para área, o que consiste em implementar a prática da meritocracia, criando as condições para que o profissional da área comercial possa assumir riscos e inovar.
A definição clara dos papéis e responsabilidades também permite ao profissional entender como se dará seu desenvolvimento dentro da organização. Para isso, a empresa precisa estabelecer objetivos e resultados-chave, com feedback regulares por parte dos líderes. Isso ajuda o profissional a saber onde está e pode chegar, saber de suas fortalezas e áreas de desenvolvimento.
Como conduzir a mudança?
Costumo dizer que o óbvio não existe e que mudar dói porque temos que abandonar hábitos e criar novos. Portanto, colocar o ser humano no centro é essencial e começa por dedicar tempo para construir a consciência da necessidade da mudança, desenvolver conjuntamente uma visão de um futuro que seja desejável por todos e que toda equipe participe dessa construção e que o pertencimento seja um sentimento real.
As pessoas precisam ter conhecimento de como mudar. É fundamental mapear as competências relacionais e técnicas da equipe e implementar programas de desenvolvimento que levem, de fato, a prática e incorporação de novos comportamentos. Embora o mundo esteja acelerado, com ciclos mais curtos e conceitos transitórios, o ser humano é constituído de hábitos e vale aqui a frase de Aristóteles para lembrar da importância da disciplina: “Nós somos aquilo que fazemos repetidas vezes, repetidamente. A excelência, portanto, não é um feito, mas um hábito”. Criar maneiras de reforçar os novos hábitos é fundamental é essencial. Há que se ter disciplina e o líder precisa dar o exemplo, porque como disse Confúcio: “A palavra convence, o exemplo arrasta”.
Embora a área comercial possa ser o coração da tua empresa, é importante ter uma perspectiva sistêmica porque o coração faz parte de um corpo e todos precisam atuar de forma sincronizada e integrada. Um coração doente comprometerá o funcionamento de todo o organismo porque as partes são interdependentes e vitais para o bem-estar de todas as partes interessadas. Comece a pensar na sua organização como organismo vivo e que faz parte de um ecossistema e que a sustentabilidade depende do equilíbrio de partes em constante movimento. Se preferir, pense em uma orquestra ou uma banda de jazz. A harmonia e sucesso depende do conjunto.
*Olegário Araújo é formado em administração, com mestrado na linha de estratégias de marketing pela FGV. É cofundador da inteligência360 e pesquisador do FGVcev – Centro de Excelência em Varejo. Sua trajetória está relacionada com o uso da informação pela área comercial das perspectivas estratégica e tática. Contato: www. in360.com.br; olegario.araujo@in360.com.br