Para o empresário, está dada a largada, “o momento não é de retomada, mas de explosão na economia”, inclusive com investimentos em lojas de vizinhança, menores, segmentadas
O mundo de negócios está extremamente aquecido diante da quantidade de dinheiro que foi injetada nas economias para amenizar as consequências da pandemia de Covid-19. Quem souber escolher bem os investimentos e aprender a gerenciá-los vai sair na frente nessa corrida. As afirmações são do empresário Abilio Diniz, atual presidente do Conselho de Administração da Península Participações e membro dos Conselhos de Administração do Grupo Carrefour e do Carrefour Brasil.
Em entrevista ao portal Mercado&Consumo, ele falou sobre o momento atual do varejo no Brasil e no mundo. Para Abilio Diniz, daqui para a frente, lojas de grandes superfícies, como as dos hipermercados, não serão mais construídas em grande quantidade. A tendência é que o consumidor dê cada vez mais preferência a lojas de proximidade, menores, mais especializadas.
Além disso, apesar da formação de grandes Ecossistemas de Negócios em vários países, o varejo regional brasileiro deve permanecer forte. “As características do consumidor precisam ser atendidas de maneira local. Você precisa estar atento ao consumidor brasileiro, argentino, americano e europeu”, afirma. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
M&C: A forma de consumir mudou muito neste mais de um no e meio de pandemia de Covid-19. Como o senhor vê o período de retomada do varejo e do consumo?
AD: Nós precisamos olhar para o retrovisor, olhar para o passado. Essa questão de lojas mais convenientes já vinha se acentuando. A tendência de as pessoas não quererem ir sempre a grandes lojas, a grandes superfícies, porque perde-se muito tempo, porque é cansativo muitas vezes, essa tendência já vinha se acentuando há bastante tempo. A tendência é você ir para lojas de proximidade, menores, ou até lojas especializadas, o supermercado especializado em alimentação, muito focado em perecíveis e alimentos saudáveis.
Esse tipo de loja de supermercado de 3 mil m² até 5 mil m² vai continuar existindo, mas eu acho que essas grandes superfícies vão diminuir. Não vão se fazer mais tantas nesse modelo. Nós temos hipermercados que têm sucesso dentro do Carrefour e outros nem tanto. Precisamos olhar caso a caso. Não podemos dizer “ah, na pandemia as pessoas querem só loja de proximidade”. Isso já era uma tendência que vinha acontecendo. Da mesma forma, hoje as pessoas podem comprar mais online e normalmente as pessoas compram online grandes volumes, garrafas de água, pacotes de papel higiênico, de fralda. Quando se fala de produtos industrializados que as pessoas compram em maior quantidade e sabem de que marca vão comprar, é natural que comprem no online.
Não existe hoje uma tendência que não existisse anteriormente. Elas estão se acentuando mais, sim, talvez por causa da pandemia, mas também talvez por causa do tempo que está passando e fazendo com que as pessoas queiram mais comodidade.
“A tendência é você ir para lojas de proximidade, menores, ou até lojas especializadas, o supermercado especializado em alimentação, muito focado em perecíveis e alimentos saudáveis.”
M&C: O que ainda atrai público a lojas grandes?
AD: Não existe consumidor que só quer loja online, ou que só quer loja pequena, ou que só quer loja grande. Não existe. As pessoas gostam de ter um leque de possibilidades e oportunidades. Há dias em que as pessoas têm tempo e gostam de ir a uma loja maior, onde elas não encontram somente aquilo que elas especificamente foram buscar. Elas gostam de ver outros produtos, outro tipo de mercadoria. Essas lojas não vão deixar de existir. A visão presencial da mercadoria, o toque, isso as pessoas não vão deixar de procurar de vez em quando. O que vai acontecer é que a quantidade de lojas de grandes superfícies não vai se fazer mais em grande quantidade. Vai se fazer uma ou outra. Aquelas que existiam e que estejam acessíveis vão continuar existindo, vão procurar se adaptar melhor àquilo que o consumidor gostaria de ter lá, a escolha do sortimento vai ficar mais apurada e as pessoas vão continuar indo nelas. Não existe uma morte nem existe um nascimento.
M&C: Essas tendências exigiram mudanças no perfil dos executivos de varejo?
AD: Não vejo que houve mudança no perfil dos executivos. Hoje todas as pessoas estão se voltando para coisas de inovação. É natural que mesmo um executivo de logística esteja atento a todas as inovações que estão surgindo, todas as coisas que estão acontecendo. É preciso estar atualizado. Mas a pessoa tem de estar sempre aberta para aprender. O mundo hoje caminha numa velocidade extraordinária. Você tem de estar muito disposto a aprender e a usar esse aprendizado naquilo que você faz. Quem não faz isso evidentemente fica para trás.
M&C: Vemos no mundo todo a formação de grandes conglomerados, em especial na China. Como o senhor enxerga esse movimento aqui no Brasil?
AD: A Amazon e o Alibaba já estão por aqui. Hoje mundo se conecta de forma extraordinária. Mas o varejo brasileiro é pouco concentrado. É disperso, formado por várias cadeias, com redes regionais que são importantes. Existem duas ou três empresas maiores, mas sua concentração perante o todo, sua importância perante o todo, é muito baixa. Nós mesmos, do Carrefour, acabamos de adquirir o Big, antigo Walmart, mas também somos pequenos em relação ao todo, embora sejamos a maior empresa de varejo e distribuição não só do Brasil, mas da América Latina. O varejo é muito disperso, com pequenas lojas, pequenas organizações, redes regionais.
Hoje, nas grandes redes de varejo e distribuição, você olha muito que não é bom você as ter espalhadas pelo mundo. Você pega o Walmart, que já esteve em vários países e já saiu, procurando se concentrar única e exclusivamente no Estados Unidos, que é uma imensidão. Você pega nós mesmos, do Carrefour, que já estivemos muito mais espalhados do que estamos hoje. Vendemos em 2019 nossa operação na China e já tínhamos vendido outras na Ásia e aqui mesmo na América do Sul, na Colômbia. Então o que você vê é o seguinte: a distribuição deve ser administrada de maneira local. Todos os países são iguais, mas as características do consumidor precisam ser atendidas de maneira local. Você precisa estar atento ao consumidor brasileiro, argentino, americano, europeu. Você tem que prestar atenção no consumidor, procurar adivinhar não só o que ele quer, mas o que ele gostaria de querer – até aquilo que ele não sabe direito, você tem de tentar adivinhar e oferecer. E isso você só faz de maneira regional.
Por exemplo: mesmo nos Estados Unidos, o Walmart, que é o maior distribuidor do mundo, não está em todos os lugares. Existem cadeias que são regionais que estão mais na Costa Leste, outras mais para o Meio Oeste, outros mais no Centro.
“Você tem que prestar atenção no consumidor, procurar adivinhar não só o que ele quer, mas o que ele gostaria de querer – até aquilo que ele não sabe direito, você tem de tentar adivinhar e oferecer. E isso você só faz de maneira regional.”
M&C: Está otimista com relação aos próximos meses?
AD: Não é que estou otimista; eu sou otimista por natureza e tenho muito orgulho disso. Mas sou realista, não me descolo da realidade. Neste momento, estou otimista com tudo. As vacinas estão aí, você vê os Estados Unidos, [em que o presidente Joe] Biden já disse que até o final do verão todo estarão os americanos vacinados e só aqueles que não quiserem se vacinar não estarão. Nós, aqui, temos uma promessa do governo de que até o final do ano teremos todos os brasileiros praticamente vacinados. Eu gostaria que isso fosse mais rápido, que essa concentração maior se desse mais agora para o meio do ano do que para o fim. Mas a retomada está garantida. É preciso olhar para ela para ver como se dará.
Foram injetadas quantidades monumentais de dinheiro nas economias em todos os países – nuns mais, outros menos. Mesmo aqui no Brasil, injetamos uma quantidade de dinheiro muito grande. Nos Estados Unidos, tanto [Donald] Trump quanto Biden injetaram trilhões de dólares, na Europa foram trilhões de euros. Evidentemente que isso alavanca crescimento e desenvolvimento. Isso alavanca mais do que a retomada, alavanca um desenvolvimento mundial.
“Foram injetadas quantidades monumentais de dinheiro nas economias e evidentemente isso alavanca crescimento e desenvolvimento.”
A Península é uma empresa fundamentalmente financeira, uma empresa que olha investimentos e oportunidades, e uma coisa que eu tenho dito é que o mundo de negócios está extremamente aquecido. Veja governos fazendo investimentos em infraestrutura, empresas privadas investindo em infraestrutura, em consumo, em tecnologia, em inovação, em todo lugar, tudo isso porque existe dinheiro.
O que vai determinar os vencedores é a capacidade de escolher os investimentos, escolher os negócios e gerenciá-los. A coisa mais importante é a capacidade de as pessoas e das empresas de gerenciar essa monumental quantidade de dinheiro que existe no mundo principalmente por empresas que são investidoras. Porque a economia está muito aquecida, os negócios estão muito aquecidos, as oportunidades são enormes. Isso evidentemente vai separar os competentes dos incompetentes. Quem tiver competência vai ganhar muito dinheiro, quem não tiver vai perder, provavelmente. É um momento não só de retomada, mas até certo ponto de explosão da economia, um momento muito forte. Nossa bolsa, apesar da pandemia atingiu limites que não tinham sido alcançados; nos Estados Unidos as bolsas também estão batendo recordes. Antes se falava muito que a explosão era só no mundo tech, mas hoje as empresas de tech não estão assim ganhando tanto das outras. Todas as empresas estão crescendo, o mundo está excitado em termos de business, em termos de negócios, e o Brasil não vai ficar para trás. O crescimento do PIB está sendo revisado todos os dias. Antes era esperado um crescimento do PIB de 3,5% [para 2021], depois de 3,8%, depois de 4%, e hoje o mais possível é em fique em torno de 5% ou mais. Tomara que isso aconteça porque a coisa mais importante que precisa ocorrer agora é gerar emprego.
“É um momento não só de retomada, mas até certo ponto de explosão da economia, um momento muito forte.”
M&C: Qual o papel das empresas nessa retomada?
AD: Eu nunca fiquei esperando nada do governo. O governo tem de colocar a economia andando, fazer com que ela funcione, que as coisas aconteçam, mas nunca esperei nada do governo. Acho que as coisas estão comigo, estão com os empresários. Os empresários têm de investir e acho que eles estão com disposição para investir. Eu sinto todos os empresários brasileiros tirando projeto da gaveta e com disposição para investir e é isso que estão fazendo.
Fonte: Por Aiana Freitas, Mercado&Consumo