Por Giseli Cabrini
O veganismo e o flexitarianismo – estilos de vida que vetam totalmente ou parcialmente o consumo de qualquer produto de origem animal – alimentam tanto o mercado de itens plant-based quanto o de frutas, legumes e verduras (FLV). Isto é, são ingredientes que têm dado um novo sabor ao caldo dos ganhos do varejo alimentar e de seus fornecedores, e que possuem potencial para engrossá-lo.
Importante também destacar que, no caso dos veganos, a restrição se estende a todo produto que contenha qualquer ingrediente de origem animal não só alimentício, mas de todas categorias e cestas que compõem o carrinho de compras do shopper, incluindo cosméticos e itens para limpeza do lar.
Além de dados referentes ao consumo e ao mercado das chamadas proteínas alternativas, bem como cases, como o do Flex Atacarejo, a reportagem de SuperHiper fez uma entrevista exclusiva com a Country Manager na International Fresh Produce Association (IFPA), Valeska Oliveira Ciré, para trazer insights sobre as oportunidades, os desafios e as tendências da seção de FLV.
Segundo Valeska, o aumento do consumo virá de quatro áreas: tecnologia, inovação, sustentabilidade e clima. E isso inclui o uso de inteligência artificial (IA) de um extremo ao outro: desde a porteira até o fogão dos consumidores.
A executiva faz um alerta para que o aumento do consumo de itens frescos não seja apenas fruto de modismos como o chamado “efeito Ozempic”, mas de ações planejadas, como campanhas educativas multiplicadoras com colaboradores do varejo, a fim de disseminar e consolidar o conceito “easy to eat”, ou seja, fácil de consumir.
Ainda de acordo com Valeska, as boas práticas para impulsionar o segmento de FLV passam por ações que envolvem ESG, combate ao desperdício e questões referentes à reavaliação do prazo de validade. Ou seja, pautas que há muito tempo estão na agenda institucional da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS). Confira esse “bate-papo” em detalhes, a seguir.
Mercado e consumo
Dados da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) mostram que 14% dos brasileiros já se declaram vegetarianos ou veganos. Além disso, 55% consumiriam mais produtos veganos. Em paralelo, em todas as regiões brasileiras e independentemente da faixa etária, 46% dos brasileiros já deixam de comer carne, por vontade própria, pelo menos uma vez na semana. É o que mostra pesquisa encomendada pela SVB ao Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria — o antigo Ibope Inteligência aqui no Brasil).
Em 2023, o mercado brasileiro testemunhou um aumento significativo no consumo de substitutos vegetais de carnes e frutos do mar, com as vendas no varejo atingindo R$ 1,1 bilhão. Isso representou um crescimento de 38% em relação ao ano anterior. O aumento das vendas em volume (toneladas) também foi significativo: 22%. Por sua vez, o mercado de leite vegetal teve um avanço mais modesto, com vendas no varejo totalizando 673 milhões de reais, um aumento de 9,5% em relação ao ano anterior. No entanto, houve uma ligeira queda de 3% nas vendas em litros de produto. As informações constam de estudo divulgado pelo The Good Food Institute Brasil (GFI) com base em dados da plataforma Euromonitor.
As carnes vegetais já estão presentes na mesa da população brasileira, sendo consumidas por 39% dos consumidores de classe ABC, ainda que esporadicamente. Segundo o GFI, 17% consomem esses itens ao menos uma vez por semana. As informações têm como base a pesquisa “Olhar 360° Sobre O Consumidor Brasileiro e o Mercado Plant-based”, realizada pelo GFI Brasil com mais de 2.000 brasileiros de todo o País neste ano.
Os substitutos de leites, seus derivados e ovos são consumidos por 60% dos participantes, dos quais 33% fazem esse consumo semanalmente. Os dados tratam de alternativas vegetais em geral, seja para carnes, leites, laticínios ou ovos, independentemente de serem análogos, industrializados não análogos ou preparações caseiras. As versões análogas são aquelas com sabor, textura e aparência muito parecidos aos produtos convencionais de origem animal.
Flex Atacarejo
Esse movimento é nítido no Flex Atacarejo, que registrou, nos últimos 12 meses, um crescimento de 96% nas vendas de produtos voltados ao público vegano e vegetariano em sua rede. “Acreditamos que é essencial oferecer uma variedade de itens que atendam às diferentes necessidades e preferências dos nossos consumidores. O crescimento desse segmento mostra que cada vez mais pessoas estão em busca de alternativas alimentares que alinhem saúde, bem-estar e responsabilidade com o meio ambiente”, afirma o gestor de compras da rede, André Assis.
Diante dessa demanda, a rede tem ampliado seu portfólio de produtos veganos para atender às expectativas e necessidades dos clientes. Entre as opções estão snacks, leites e carnes vegetais, adoçantes e até mesmo bebidas alcoólicas veganas. “Mesmo quem não adota uma dieta totalmente vegana pode se beneficiar dessas opções, uma vez que alimentos veganos são ricos em vitaminas, fibras e contribuem para uma alimentação mais equilibrada,” explica Assis.
No Flex Atacarejo, a seção de FLV é importantíssima. Segundo a empresa, a procura é gigante e as vendas correspondem. Prova disso, é que a rede realiza seu “Sacolão” durante três dias: de segunda a quarta, todas as semanas. O mix é diversificado, com destaque para as frutas sem caroço – bananas, laranjas e maçãs – ao lado dos legumes, como batatas, cenouras e abobrinhas e das verduras. Contudo, os ovos também têm relevância, ainda que não façam parte das cesta dos veganos. O item tem um apelo especial para clientes com perfil fitness e que são atletas. Por isso, a seção de hortifrútis está estrategicamente posicionada em primeiro plano, logo na entrada das lojas. Outro diferencial está em parcerias com fornecedores locais.
O Grupo Flex, surgiu em 1995 na cidade de Valinhos, interior de São Paulo, a princípio, atuando no formato de supermercado, com a bandeira ASP Supermercados. Em 2016, após um estudo feito pelos sócios, foi consolidado o Flex Atacarejo, com o objetivo de atender tanto às famílias, quanto pequenos empreendedores, que buscam preços de atacado, amplo sortimento e bom atendimento. Atualmente são dez lojas nas cidades paulistas de Valinhos, Vinhedo, Itatiba, Jaguariúna, Santo Antônio de Posse e Pedreira. Em 2024, não houve abertura de unidades. Porém, para 2025 está programada a reinauguração da Loja 1 de Jaguariúna, na Rua Thomaz Jasso, 480, que está passando por uma grande revitalização.
Entrevista com a Country Manager na International Fresh Produce Association (IFPA), Valeska Oliveira Ciré
Como o veganismo colabora para o segmento de FLV, no caso consumo? Existem dados sobre isso?
Sem dúvida, o perfil desse consumidor é bastante favorável para o segmento de FLV. Segundo dados da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), 55% dos brasileiros consumiriam mais produtos veganos. Além disso, existe uma tendência daqueles que são chamados flexitários ou flexitarianos, que ainda consomem proteína animal, incluírem cada vez mais itens plant-based na sua alimentação. O segmento de FLV é um dos poucos que consegue dialogar com os diversos perfis de consumidores, então isso é bastante positivo. Isso abre uma grande oportunidade não apenas para fornecedores de mercadorias frescas, mas para a indústria e grandes marcas de semiprocessados e de processados.
Quais as oportunidades e os desafios para a produção e o consumo de perecíveis FLV e ovos no mundo e no Brasil?
As principais oportunidades para o setor de FLV e ovos, de fato, estão ligadas a uma busca da população por produtos e alimentos mais saudáveis. Globalmente essa é uma tendência crescente dos consumidores. Oportunidades em inovação tecnológica têm muitos avanços em técnicas de cultivo, de logística, de armazenamento, de shelf life. Há, também, a questão de acesso a mercados. O Brasil tem um grande potencial de expandir as suas exportações de FLV, especialmente de frutas para novos mercados, como Ásia e, Oriente Médio. E, também, para praças tradicionais, como os Estados Unidos. Os desafios são vários, mas o principal é a questão climática. Eventos mais extremos – secas ou enchentes – têm se tornando mais frequentes e afetam diretamente a produção agrícola. Isso causa instabilidade na oferta e consequentemente nos preços. A questão de mão de obra é outro gargalo para toda a cadeia de abastecimento: do produtor ao varejista. E há ainda as regulamentações sanitárias, que são as barreiras comerciais, e o desperdício alimentar. Os índices de perdas são muito grandes: na colheita, no transporte, no armazenamento, no transporte, nos pontos de venda e na casa do consumidor;
Na avaliação da IFPA, como se dará o aumento do consumo de produtos frescos? Como o varejo alimentar e a indústria podem trabalhar juntos nesse sentido?
O aumento do consumo virá em quatro áreas, tecnologia, inovação, sustentabilidade e clima. Esses quatro pilares coexistem, não é possível trabalhá-los isoladamente. É preciso juntar quem produz, quem vende, quem oferece soluções e, assim, chegar ao consumidor final. O incentivo ao consumo demanda acesso às melhores tecnologias e ao que está acontecendo em termos de inovação. Sustentabilidade e clima envolvem ações de ESG. E, principalmente, formas de produção eficientes considerando as mudanças climáticas.
De que forma o uso de inteligência artificial poderá contribuir para o segmento de perecíveis no mundo e no Brasil? E, também, para reduzir o desperdício. É possível já citar exemplos colocados em prática e os resultados?
Aplicativos vão ajudar os supermercados a gerir as compras de alimentos frescos, tendo em conta o clima, a sazonalidade, o comportamento do consumidor e as tendências econômicas para reduzir a perda de alimentos. A IA certamente terá um impacto transformador também para no segmento de FLV, desde sistemas de autoatendimento até embalagens inovadoras. No campo, já existem robôs polinizando e detectando doenças nas plantas, além da automatização da contagem de frutas durante a colheita. Além disso, a IA pode ser usada para sugerir receitas fáceis, rápidas e nutritivas a partir do que as pessoas têm na geladeira, de forma a reduzir o desperdício, e incentivar o consumo de itens frescos pelas crianças.
Nos EUA, já é notado o chamado efeito “Ozempic” sobre as vendas dos supermercados. Ou seja, algumas categorias – consideradas calóricas – registram quedas nas vendas. Isso é uma oportunidade para os perecíveis? Como o varejo alimentar e a indústria podem maximizar isso no Brasil?
Tanto para a indústria quanto o varejo essa é uma grande oportunidade quando a gente consegue colocar isso como parte de um processo educativo multiplicador. A FPA realiza no Brasil campanhas para treinar os colaboradores do varejo a fim de que eles possam ter mais informação sobre as melhores épocas de plantio, colheita e consumo. Conheçam mais e a fundo as variedades. E, a partir disso, replicar para os consumidores tanto por meio de informação nas gôndolas ou no ponto de veda ou pelos canais digitais. A ideia é que esses colaboradores atuem como embaixadores dos itens de FLV. Não queremos “surfar a onda do efeito Ozempic” porque ela é passageira. A nossa mensagem é de que o FLV é essencial e deve constar nas cestas dos brasileiros com mais frequência e com mais diversidade. Outra frente de atuação é divulgar os benefícios e a forma ‘easy to eat’, ou seja, fácil de consumir desses produtos. E, nesse sentido, é válido, sim, lançar mão das redes sociais e ferramentas, como TikTok e Instagram para alcançar as gerações Y e Z, além das crianças.