Rumo incerto da ômicron gera incertezas, inclusive na questão de investimentos do setor
O ano começa fraco para o consumo, mesmo para os setores mais resilientes, e a perspectiva é que uma provável melhora paulatina fique mais evidente apenas após março ou abril. Apesar de janeiro ter se tornado, há anos, um período mais aquecido, com as promoções aumentando o tráfego de clientes, o comércio de eletrônicos, itens de tecnologia, moda e material de construção sentiu a desaceleração logo após a queima de estoque da primeira semana.
Esse quadro atual leva o varejo a entrar o terceiro ano consecutivo num cenário de indefinições e riscos maiores para o investimento. A expectativa é que os gastos se concentrem mais no braço digital – ainda em sistemas e logística – com expansão acima da loja física. “As cadeias vão ter que colocar um novo freio na expansão”, diz o diretor de uma rede de eletromóveis.
“A deterioração já vem vindo desde agosto, setembro, e investimentos agora pesam nas despesas operacionais. Sem um ‘top line’ [venda] melhor, esses gastos afetam lucro. Todo mundo sabe que não vai dar para ficar entregando ao mercado trimestres com números ruins”, afirma ele. “Não vemos ainda nenhum fator de inflexão nos indicadores de consumo e isso, naturalmente, afeta investimento”, reforça Fabio Bentes, economista da CNC, a confederação de comércio, serviços e turismo.
A queda na circulação de pessoas nas lojas físicas após o avanço da variante ômicron e o aumento das mortes pela covid-19, além do difícil cenário macroeconômico – com inflação em alta e juros em dois dígitos – impactam no planejamento do primeiro semestre. Em relatório, o banco Goldman Sachs vê novo “risco de vento contrário temporário para as lojas” no país.
Dados do banco, que utiliza a base de tráfego captada pelo Google, mostra queda de 9% na circulação de consumidores no país no começo de janeiro, versus pré-pandemia. “No começo do ano, o tráfego não é uma maravilha mesmo, mas se a gente não tivesse a ômicron, possivelmente já teríamos recuperado essa circulação em janeiro”, afirma Bentes. “janeiro foi ruim e fevereiro, historicamente, não é bom”, diz Marcelo Silva, presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) entidade com 70 cadeias associadas.
“Pelas nossas pesquisas com as áreas comerciais, as redes estão projetando um março melhor, só que esse sobe e desce, mês a mês, também é ruim para se ter uma maior previsibilidade e, logo, para o planejamento [nos investimentos]”, disse. Pelo levantamento citado, o setor estima vendas no “zero a zero” no primeiro bimestre.
Sem descontar a inflação, era projetada estabilidade (0,2%) em janeiro em relação a 2021 – o mês mais fraco do primeiro semestre daquele ano – e queda de 0,3% em fevereiro sobre o mesmo mês de 2021. Isso é medido pelo Índice Antecedente de Vendas (IAV/IDV), que parou de ser coletado na pandemia e agora está voltando a ser pesquisado. Para março, as áreas comerciais das cadeias associadas projetam alta nominal de 11,4% sobre o ano anterior.
Mas o instituto faz ressalvas em relação a essa estimativa de março. “Há um efeito da base de comparação, porque houve a nova onda de pandemia após março de 2021, fechando lojas. Além disso, trata-se de expectativas, e refletem como os departamentos estão torcendo para que a retomada aconteça. Em fevereiro, vamos voltar a uma nova ‘rodada’ porque as redes já terão clareza melhor do cenário”, afirma. A pesquisa foi feita nos primeiros dias do mês passado, e os pedidos do varejo para venda em março e abril são colocados entre metade de janeiro e fevereiro.
O IDV projeta retomada gradual a partir do segundo trimestre, depois de uma renovação de estoque em andamento no varejo entre janeiro e fevereiro. O Goldman Sachs projeta R$ 91 bilhões em Auxílio Brasil em 2022, 5% a menos que os R$ 95 bilhões em 2021, em Bolsa Família e auxílio emergencial.
“Foram dois meses para reequilibrar estoques que foram sendo ‘carregados’ do ano passado, principalmente nos bens duráveis. Além disso, vamos ter uma heterogeneidade de desempenhos, setor a setor, neste ano”, diz Silva.
O comando da empresa de pesquisas GfK Brasil, que recebe dados semanais de varejistas, também vê números mistos e diz que vem se desenhando um desempenho para o varejo brasileiro em “K” em 2022. Quando isso ocorre, há uma divisão mais acentuada entre áreas com melhor e pior desempenho. “Já vemos alguns segmentos com tendência de recuperação, como bens semiduráveis para classes de alta renda, e outros com dificuldade, como o varejo eletroeletrônico de produtos mais dependentes de crédito e que foram duramente afetados pela inflação”. Um exemplo, nesse sentido, diz, foi a alta na venda de lavadoras de roupas (lava e seca), que subiu 6% em janeiro, enquanto o “tanquinho” caiu 6%.
Segundo a GfK, as vendas de duráveis subiram 4% sobre janeiro de 2021, pelas promoções de janeiro. “Mas isso veio dessa leve melhora que o on-line teve no começo do ano, possivelmente ganhando o tráfego que caiu no varejo físico. O digital cresceu 12%, mas as lojas caíram 3% em janeiro”, diz ele.
O Valor apurou que esse movimento de perda de vigor sobre 2021 se estendeu também ao setor alimentar e ao atacarejo, com Assaí e Atacadão apurando desaceleração na taxa de vendas “mesmas lojas” em janeiro em relação a taxa de um ano atrás. Além de demanda fraca, pesa nesse índice a base forte de comparação de 2021. “A primeira semana de fevereiro foi melhor, mas ninguém sabe se é só efeito do salário que cai no dia 5”, diz o diretor de uma atacadista.
Essa perspectiva de adiamento de retomada para o segundo trimestre está em linha com que analistas vêm projetando em termos de vendas e de investimentos.
Eles entendem que as empresas devem voltar a reavaliar a necessidade de retomar certos investimentos versus a importância em proteger o caixa em 2022, como forma de se precaver de uma deterioração maior na demanda. A perspectiva é que os desembolsos se concentrem ainda em projetos no digital, como em 2021.
“Há realidades muito específicas em cada varejo, mas um dos fatores que serão definidores será a posição de caixa. Há empresas que fizeram captações entre 2020 e 2021 e não estão alavancadas [como Petz, Renner e Magalu], e outras que tem consumido caixa, como Via. Então as diferenças de posicionamento podem variar até mesmo dentro do mesmo setor”, diz Danniela Eiger, analista de varejo da XP.
Outra analista, Karen Atsuta, da Genial Investimentos, diz que é esperado que a Marisa, por exemplo, apesar de ter sido bem-sucedida na oferta de ações recém-concluída, de R$ 206 milhões, “seja mais cautelosa em relação aos investimentos, sobretudo neste primeiro semestre”, e use recursos como reserva de emergência. Cenário de incerteza e renda das classes C em queda são fatores de pressão.
Especialistas lembram que, mesmo que o aumento do custo do capital e o mercado mais seletivo para ofertas impactem nos planos mais agressivos – especialmente em aberturas – os investimentos em novas lojas foram sendo retomados em 2021 por parte das grandes cadeias. As médias e pequenas redes, porém, estão mais lentas nesse processo.
As empresas de capital aberto ainda devem divulgar esses dados, mas a Renner já disse que projeta 40 a 50 aberturas em 2022, para todas as marcas do grupo – mesmo patamar de 2019, antes da crise. A C&A estima 25 novas lojas em 2022, na mesma faixa de 2021. Magazine Luiza fala em 1.560 lojas ao fim de 2022 (120 a mais que em 2021), e antes da crise abria, em média, 100 a 150 unidades ao ano. A Via abriu 100 em 2021 e estima mesmo número em 2022.
Fonte: Adriana Mattos, Valor