Por Giseli Cabrini
Há quase 20 anos, a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) lançava uma semente sobre um tema ainda pouco familiar para a cadeia nacional de abastecimento: a rastreabilidade. Em 2006, surgiu o Programa de Rastreabilidade e Monitoramento de Alimentos, o RAMA.
No momento, o tema ganha os holofotes não só como parâmetro fundamental para a segurança alimentar, principalmente de itens perecíveis — FLV (frutas, legumes e verduras) —, mas para tudo que faz parte da dieta e dos hábitos dos consumidores, incluindo industrializados, como o recente caso envolvendo bebidas alcoólicas, episódio conhecido como “crise do metanol”.
Além disso, a rastreabilidade de perecíveis torna-se ainda mais oportuna para potencializar o consumo desses itens diante da recente conquista do setor supermercadista e de toda a sociedade com as novas regras do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). Na avaliação da ABRAS, a modernização das regras do PAT torna-o mais justo, eficiente e acessível, beneficiando diretamente o trabalhador brasileiro e fortalecendo toda a cadeia de abastecimento de alimentos. Com a atualização do decreto, três mudanças estruturais darão novo fôlego ao programa: a redução das taxas cobradas pelas operadoras de benefícios para até 3,6%; a diminuição do prazo de reembolso aos estabelecimentos para até 15 dias; e a padronização dos contratos, eliminando cobranças abusivas e “penduricalhos” que elevavam os custos para o varejo e, consequentemente, para o consumidor.
Durante o evento, foram apresentados dados sobre os principais programas dedicados à rastreabilidade e ao monitoramento de alimentos em relação à presença de resíduos de agrotóxicos: o RAMA e o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). Criado em 2001, o PARA é uma ação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS). A logística do programa, que ocorre no âmbito da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tem o apoio do RAMA/ABRAS desde 2022 por meio do Acordo de Cooperação Técnica. As informações incluíram a evolução dos trabalhos em relação à coleta, à qualidade das amostras e aos resultados obtidos a partir delas.
Além disso, foram compartilhadas boas práticas e ideias sobre como potencializar essas ações de ponta a ponta na cadeia nacional de abastecimento: produtores, distribuidores, supermercados, consumidores, governo (órgãos reguladores) e indústria de insumos.
Houve também uma parte dedicada à adesão e aos novos segmentos do RAMA: ovos e orgânicos. No caso dos ovos, a fase atual é de formatação dos trabalhos. Mas a iniciativa já reúne 11 participantes por parte dos produtores. Do lado de quem produz, o objetivo é ampliar a transparência, a confiança e o controle, bem como aprimorar a forma de exposição dos produtos no ponto de venda. Quanto aos orgânicos, entre os desafios estão regras claras quanto a critérios de conformidade e não conformidade. No âmbito do RAMA, os trabalhos se voltam justamente para o tratamento das não conformidades envolvendo todos os elos: produtores, varejistas e certificadoras.
Em paralelo aos avanços na adesão ao RAMA e nos indicadores, de forma resumida, o evento chamou a atenção para o lado da rastreabilidade além do quadrante técnico, mas principalmente estratégico. Ou seja, como um ativo para os agentes da cadeia de abastecimento em relação ao aprimoramento da eficiência operacional, da redução de perdas e do relacionamento com o consumidor ao disponibilizar mais qualidade, segurança e transparência sobre a origem e as características dos produtos que chegam às mesas.
O encontro também foi importante para a definição do plano de trabalho, metas e compromissos do RAMA para os próximos cinco anos. Entre eles, o aumento da adesão ao RAMA. A meta é passar das atuais 74 redes de supermercados espalhadas por quase todos os estados brasileiros e Distrito Federal para 88 até 2030.
A lista de redes presentes ao evento incluiu Carrefour, Atacadão, Giassi, Covabra e Coop. Em formato híbrido — presencial e on-line —, ele também pôde ser acompanhado por representantes das 27 entidades estaduais supermercadistas ligadas à ABRAS.
Destaques
Durante a abertura, o vice-presidente de Relações Institucionais e Administrativo da ABRAS, Marcio Milan, chamou a atenção para o dinamismo do varejo alimentar quanto a temas como a precificação produto a produto e a presença da categoria de cafés nas gôndolas. Ele também destacou que o tema da rastreabilidade ganhou os holofotes diante de episódios envolvendo produtos à base de café com qualidade inferior e a “crise do metanol”, que afetou o segmento de bebidas alcoólicas. Durante os debates, Milan destacou ainda as vitórias históricas para a sociedade de pautas lideradas pela ABRAS, por exemplo, a reforma tributária, a cesta básica nacional isenta de impostos e a modernização das regras do PAT. “Estamos comprometidos com essa pauta e grande parte do que está sendo discutido aqui será apresentado na próxima edição do Smart Market, em abril de 2026.”
“Mais do que obrigatoriedade legal, a rastreabilidade é algo que agrega valor e leva para o consumidor o conhecimento do que está sendo feito em relação à segurança alimentar. É uma forma de transformar esse consumidor em um agente que impulsiona todo esse processo”, gerente especialista em regulação da Anvisa, Adriana Torres.
“A identificação de origem na categoria de cafés, por exemplo, é um tipo de rastreabilidade que atua como um selo de qualidade”, técnico administrativo da Anvisa, Arthur de Souza Prado Reis.
“Precisamos pensar a rastreabilidade além da visão técnica e adotar um olhar de que ela atue como um agente de transformação necessária da cadeia de abastecimento. Ter dados estruturados é fundamental para adotar ações preditivas e preventivas, bem como que tragam melhorias para a operação e para toda a cadeia”, diretor-executivo da PariPassu, Giampaolo Buso.
“Nosso índice geral de conformidade tem evoluído muito, mas ainda há muito espaço para aprimorar políticas e ações de correção”, coordenadora de Monitoramento e Alimento Seguro da PariPassu, Eduarda Souza.