A disparada no número de mercados revela novos hábitos do cliente alimentados ainda mais pela pandemia
Um intervalo superior a 15 minutos é intolerável, e leva o consumidor a desistir da compra. O conhecimento detalhado sobre esse comportamento tem gerado novas tecnologias. Cadeias de fast food como o McDonald’s já possuem lojas com pequenos totens instalados na entrada, onde o cliente pode fazer seu autoatendimento e selecionar sozinho o que vai comer e beber, sem a necessidade de um atendente. Ao encerrar o pedido, ele paga com cartão de crédito, débito ou até via pix. Retira o pedido no balcão, sem qualquer contato com os funcionários.
A ação reduz em cerca de 80% a espera nas filas, mas as empresas também estão de olho em outra consequência que vem com a novidade: menos funcionários, menos custos. As lojas de conveniência começam a abraçar o sistema. Muitas estão investindo alto em segurança para evitar fraudes que podem surgir com a nova moda.
A Americanas S.A. já oferece lojas totalmente autônomas desde 2019, quando lançou a Ame Go, modelo hoje presente no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Funciona assim: o cliente baixa o aplicativo da Ame, fintech da empresa, e acessa à loja com o QR Code.
Ao entrar no espaço, as câmeras registram seus movimentos por meio de sua biometria corporal e verificam quais produtos são retirados das prateleiras. Quando o consumidor deixa a loja, o valor é debitado no app, sem check-out, e um cupom é enviado para o seu e-mail. “Entregamos uma experiência rápida, pois sabemos que aqueles clientes estão com pressa. Quem entra nas nossas lojas busca produtos emergenciais”, explica Pedro Maia, head de inovação da plataforma física da Americanas S.A.
Criada em 2016 por Rodrigo Miranda, a Zaitt é outra empresa que aplica o conceito das compras autônomas. “Quando eu era criança, ir ao mercado era um programa que durava o dia inteiro. Nunca tive paciência para isso. O tempo hoje é precioso demais, se eu puder ajudar as pessoas a ganhar um pouco a mais, já fico feliz”, diz Miranda.
A Zaitt também investe pesado em processos que determinam a segurança comportamental. Analisam o tempo em que o cliente fica parado diante de um determinado produto, se está muito agitado ou se passou muito rápido pela loja – essas são algumas das características de consumo que entram nessa fase de observação. “Já houve casos de furto em que conseguimos efetivar a detenção do indivíduo. Tentamos sempre atuar de um jeito amigável, mas nesses casos somos obrigados a agir da mesma forma que qualquer outra empresa que é furtada, ou seja, tomando as medidas cabíveis”, afirma.
Além da praticidade de acabar com as filas, o conforto e a segurança são itens vistos como qualidades adicionais desses “mercados do futuro”. Beatriz Queiroz, de 23 anos, mora em um condomínio fechado no interior de São Paulo. No local, funciona um mercado autônomo, benefício que, segundo ela, tem aumentado a busca por imóveis na região. “As pessoas sempre procuram comodidade. Ter um mercado sem precisar sair de casa é ótimo”, afirma. “Não há preocupação com furtos e a segurança do local também é algo que nos conforta.”
Foi pensando nessas questões que companhias como a SmartStore, no interior de São Paulo, e a Be Honest, de Minas Gerais, começaram a investir em condomínios fechados e empresas. Sem a presença massiva de câmeras e equipamentos de segurança, preferem confiar na honestidade dos clientes, o que levou o sistema a ser chamado de cultura do “honest market”. “Nesses ambientes há um público mais controlado, seja de moradores ou de funcionários das empresas. As pessoas se conhecem, então isso muitas vezes já inibe a prática de furtos”, afirma Evandro Machado, fundador da SmartStore, que já conta com mais de 500 mercados em 21 estados brasileiros.
Marcelo Carneiro, fundador da Be Honest, tem uma meta ainda mais ambiciosa: fazer do Brasil um dos países mais honestos do mundo. Ele possui mais de 250 lojas e nenhuma delas tem câmeras. No final do mês, quando faz a reposição dos produtos, é medido o índice de honestidade daquela determinada área. “Comparamos o que foi vendido com o que sobrou no mercado. Se houve algum furto, a conta não fecha. Se o índice é muito alto, implementamos campanhas de conscientização na empresa, nas escolas ou nos condomínios”, afirma Marcelo. “Gosto de apelar para o lado emocional, mas sempre resolvemos na base da conversa.” Os mercados autônomos ainda têm um longo caminho pela frente.
Fonte: Eduardo F. Filho, Isto É