Por Raquel Santos
O consumidor brasileiro enfrenta um dos momentos mais desafiadores da última década. Apesar da queda do desemprego, a inflação de alimentos voltou a dois dígitos em 2025, corroendo o poder de compra e ampliando o endividamento. Domenico Tremaroli Filho, diretor de atendimento ao varejo da NielsenIQ Brasil, comentou: “80% das famílias brasileiras têm algum tipo de dívida e quatro em cada dez já apresentam contas em atraso”.
Esses dados abriram um dos painéis que deram início aos debates sobre Share of Life, tema central do ABRAS’25 food retail future. Mediado pelo próprio Tremaroli, o encontro reuniu Magali Aquino, head comercial de Supermercados do Mercado Livre e Gustavo Bruno, CEO da Mars Pet Brasil.
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“Hoje, a cada dez consumidores que entram em um supermercado, oito chegam com lista e nove sabem exatamente o preço dos produtos que compram regularmente”, enfatizou Tremaroli. Para manter o carrinho cheio sem comprometer o orçamento, adotam estratégias cada vez mais criativas: substituem categorias mais caras por alternativas mais acessíveis, escolhem embalagens de menor desembolso, aproveitam promoções e diversificam os canais de compra. “Se antes frequentavam três canais, hoje circulam por até nove, incluindo farmácias, atacarejos, pet shops e açougues”, observou Tremaroli.
Com 97% do sortimento de supermercados e atacarejos praticamente idêntico, o produto deixou de ser diferencial. “O consumidor compara cada vez menos a gôndola e cada vez mais a experiência. Se a loja tem filas longas ou está mal organizada, ele não volta. As empresas que se destacam sabem se comunicar: algumas são reconhecidas por preço, outras por experiência. As intermediárias acabam perdendo relevância,” reforçou Tremaroli.
Do carrinho à vida do consumidor
O conceito de Share of Life amplia a disputa do varejo para os momentos de vida fora da loja. Não basta conquistar o carrinho; é preciso conquistar espaço no lazer, na saúde, no entretenimento, no cuidado com a família e até com os pets.
Exemplos internacionais reforçam a tendência: a CVS, rede americana de farmácias, adquiriu um plano de saúde com 35 milhões de clientes, enquanto a Watson, nas Filipinas, redesenhou lojas para integrar bem-estar e serviços. No Brasil, o Mercado Livre testa ecossistemas que incluem serviços financeiros, streaming, programas de fidelidade, criando múltiplos pontos de contato com os consumidores. “Recentemente, no setor de supermercados, participamos do BBB no início do ano, oferecendo uma experiência completa de compra e expandindo nossa presença dentro e fora do site. Nosso foco é fortalecer a proximidade com clientes e parceiros, cocriar soluções e enfrentar os desafios do mercado de forma colaborativa”, lembrou MagalinAquino.
O setor pet foi um dos destaques do painel. “O Brasil é o terceiro maior mercado de pets do mundo, com 47 milhões de lares que possuem animais de estimação — mais do que lares com crianças, ressaltou Gustavo Bruno. Mesmo assim, apenas 238 pontos de venda no país oferecem portfólio ativo da categoria frente a 700 mil potenciais. “Quem não olha para esse segmento está perdendo vendas e frustrando tutores, já que dois terços dos donos consideram seus animais parte da família”, acrescentou. Iniciativas como o programa Adotar é Tudo de Bom, apoiado por mais de 1.600 ONGs, e espaços pet friendly em supermercados foram citadas como exemplos de conexão emocional que fortalece a fidelidade.
A inteligência de dados também ganhou destaque. “Tudo que fica apenas na emoção é temporário. A combinação de emoção com dados é o que gera lealdade duradoura”, disse Magali Aquino. Segmentação de perfis, ajuste de sortimento e promoções personalizadas mostram que o consumidor quer ser reconhecido em sua individualidade, reforçou Bruno.
No encerramento, Tremaroli resumiu a essência do Share of Life: “A disputa não é mais pelo carrinho, mas pela vida do consumidor. O desafio é estar presente em todos os momentos, do caixa do supermercado à hora do lazer com a família.”