E se os alimentos pudessem ajudar a combater as mudanças climáticas e contribuir para a biodiversidade? Em resumo, imagine se aquilo que você consome fosse capaz de ajudar a natureza a prosperar no lugar de subjugá-la durante seu processo de produção? A boa notícia é que tudo isso deixou de ser hipótese. Ou seja, por meio de uma iniciativa que une indústria e varejo, os consumidores brasileiros vão poder ter acesso a itens provenientes da economia circular.
No Brasil, do lado do varejo, as pioneiras são o Grupo Carrefour Brasil e a rede Quitanda. Da parte dos fornecedores, 11 empresas criaram 23 produtos com a chancela de “aliado da natureza”. São elas: Amazônia Agroflorestal, Amazonika Mundi, Bebajapí Bebidas Fermentadas, Cuíca, Horta da Terra, Mahta, Nude, Nutricandies, Puravida, Santa Food e Viva Regenera.
Alguns dos itens que estarão disponíveis para compra nas lojas desses dois grupos varejistas são: o café Apuí Agroflorestal, da Amazônia Agroflorestal; o cacau em pó da Viva Regenera; o leite de castanha da Amazônia da Cuíca; o cereal proteico à base de biomassa de aveia da Nude; o chocolate de mel de cacau da Nutricandies; e o blend proteico em pó com ingredientes da floresta amazônica, como o bacuri, taperebá e a castanha-do-Brasil, da Mahta.
“Ao disponibilizarmos esses produtos com o selo ‘Aliado da Natureza’ oferecemos aos nossos clientes a oportunidade de identificar e diferenciar produtos visualmente semelhantes, mas provenientes de modelos produtivos distintos e partir daí fazer escolhas conscientes, que não apenas alimentam, mas também contribuem ativamente para um futuro mais sustentável. Essa é uma das ações que o Grupo Carrefour Brasil vem promovendo para reduzir os impactos ambientais e impulsionar as suas cadeias produtivas que compartilham valor com as comunidades locais, além de guiar o consumidor nesta importante jornada”, ressalta a gerente-sênior de Sustentabilidade do Grupo Carrefour Brasil, Juliana Carlini.
De acordo com a gerente-sênior de sustentabilidade da rede Quitanda, participar da iniciativa foi uma escolha natural, porque a companhia acredita que o futuro da alimentação depende de modelos que respeitam os ciclos da natureza e promovem impactos positivos em toda a cadeia. “Atualmente, mais de 60% das nossas compras são feitas de fornecedores locais, e cerca de 20% do nosso portfólio inclui produtos com algum tipo de certificação sustentável. Ao levar esses produtos para as nossas gôndolas, reforçamos nosso compromisso com a economia circular e oferecemos aos clientes a oportunidade de consumir unindo sabor e consciência.”
Além das fronteiras
Além disso, alguns desses produtos poderão chegar às prateleiras internacionais, como dos mercados da rede Casa Rica, no Paraguai. Essa varejista, além de disponibilizar os produtos para venda, também desenvolveu as próprias criações sob as diretrizes da economia circular.
“Temos estabelecido um eixo estratégico no qual desenvolvemos produtos de economia circular aplicada, no âmbito da nossa estratégia de sustentabilidade 2030. Esse subeixo de trabalho, com indicadores e objetivos anuais, nos permite medir o impacto real em nossas operações, nos aliar à comunidade e oferecer produtos inovadores, como nossa cerveja circular Bread Ale e o licor artesanal Licoreto, nas versões limoncello e narancello, com um impacto social e ambiental mensurável e tangível. Estamos certos de que esse é o caminho correto, em direção a um Paraguai mais sustentável”, diz Marcelo Sabanes, gerente de Desenvolvimento Sustentável da Casa Rica.
No caso da cerveja, ela utiliza sobras dos pães das padarias da rede. E do licor trata-se de um reaproveitamento dos cítricos comercializados em suas lojas.
Projeto
Tanto os varejistas citados quanto as indústrias participaram da primeira edição do desafio mundial ‘O Grande Redesenho de Alimentos’, promovido pela Fundação Ellen MacArthur em parceria com o Sustainable Food Trust. Em âmbito global, foram desenvolvidos 141 produtos, por 57 empresas, em 12 países. Na América Latina, foram 32 criados por 16 empresas.
Os produtos fruto da iniciativa levam o selo “Aliado da Natureza”. No entanto, é importante ressaltar que não se trata de uma certificação, mas algo mais amplo. “Esse selo não vai na embalagem, mas na gôndola. A ideia é criar um espaço na prateleira que funcione como um material de merchandising no ponto de venda que sinalize que o produto em questão participou de uma jornada que promove a economia circular. Damos instruções sobre como aplicar a marca, porém a forma de ativar isso na loja é de cada varejista. A estratégica de comunicação é individual”, explica o gerente do projeto e de inovação na América Latina para a fundação Ellen MacArthur, Gustavo Alves.
Para ele, o projeto materializa o conceito de economia circular para o consumidor que passa a ter a oportunidade de visualizar isso na prateleira e realizar suas escolhas. Embora pondere que, no Brasil, boa parte da população não tenha condições de fazer isso, esse é um passo muito importante e abre caminho para que o varejo alimentar faça parte desse processo de transformação tão importante para o meio ambiente e para a sociedade. “Sem contar que esses produtos podem contribuir para as metas climáticas das redes supermercadistas.”
Alves acrescenta que o desafio mundial envolveu também “foodtechs” (empresas e startups que utilizam a tecnologia para inovar em diversas etapas da cadeia alimentar) e produtores, incluindo os que vivem em comunidades amazônicas, o que possibilita gerar renda e promover o desenvolvimento socioeconômico nessas localidade. Tudo isso se tornou possível por meio de “grants”, subvenções financeiras concedidas a organizações ou projetos que demonstrem potencial para inovar e resolver problemas no setor de alimentos.
“Dessa forma, é possível incluir também empresas que estão começando e não têm as mesmas condições de grandes fabricantes da cesta de bens de consumo de alto giro”, ressalta.
Ainda segundo Alves, uma vantagem dessa iniciativa foi juntar os dois polos: fabricantes e varejistas, que trocaram muita informação, como as categorias mais buscadas pelos consumidores e os atributos que pesam mais na decisão de compra, a fim de que os produtos da economia circular tenham boa aceitação.
Conceito
Os produtos criados com base no modelo de design circular de alimentos seguem diretrizes, como: a priorização de ingredientes mais diversos em espécies e culturas; o reaproveitamento de insumos que seriam desperdiçados; a escolha de componentes que geram menor impacto ambiental; e que a maioria desses itens seja produzida com práticas que regeneram a natureza. Além disso, as embalagens devem seguir os princípios da economia circular, isto é, evitar a geração de resíduos e poluição e ser feita de materiais que possam circular na prática e em escala.
Alinhada às propostas do 5º Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento ABRAS 2025 (FCNA), a economia circular fornece uma estrutura que transcende ações simplesmente para desfazer os danos causados pelo sistema alimentar atual e avançar no sentido de regenerar ativamente os ecossistemas e paisagens locais e construir um sistema alimentar positivo para a natureza. É uma estrutura de soluções que capacita as organizações a enfrentar os desafios globais, redesenhando fundamentalmente os sistemas em torno de três princípios: eliminar resíduos e poluição, circular produtos e materiais e regenerar a natureza.
Trata-se de um movimento para o qual as empresas de bens de consumo de alto giro (os FMCGs) e os varejistas têm muito a contribuir. Isso porque, em todo o mundo, o sistema alimentar é responsável por um terço das emissões de gases efeito estufa (GEE) e de metade das pressões que a humanidade exerce sobre a biodiversidade.
Portanto, ao tomar medidas para construir um sistema alimentar positivo para a natureza, os FMCGs e os supermercadistas podem apoiar melhor os meios de subsistência dos agricultores, não apenas fortalecendo sua resiliência a choques, mas também ajudando-os a aumentar a produção total de alimentos, diversificar seus fluxos de renda, melhorar sua lucratividade (após uma fase de transição) e proporcionar benefícios para a saúde.
Assim, o design circular de alimentos possibilita um futuro no qual os alimentos são bons para a natureza, para os agricultores e para os negócios.
O desenvolvimento de produtos icônicos para mostrar o potencial do design circular é uma das formas de ação que as empresas de bens de consumo de alto giro e varejistas têm para tornar predominantes os alimentos positivos para a natureza. Além de nutritivos, saborosos e amplamente reconhecíveis, esses produtos devem proporcionar experiências alimentares novas e acessíveis. Devem inspirar outras empresas a repensar seus próprios portfólios.
Aproveitando o marketing e o posicionamento na loja para compartilhar as histórias de impacto positivo desses produtos com os consumidores, as marcas podem aumentar sua participação no mercado e chamar a atenção dos clientes com produtos que fazem parte de um sistema positivo para a natureza.