Conheça como as gerações mais jovens têm feito, na prática, nas empresas familiares
A mudança geracional no comando de empresas familiares brasileiras tem sido acompanhada de uma reorientação para a sustentabilidade. Os “herdeiros verdes”, na faixa dos 30 a 40 anos, estão assumindo postos de comando ou criando novos negócios a partir dos que herdaram já conscientes da necessidade de destacar pautas ambientais e práticas sustentáveis.
Adotar ações em prol do combate às mudanças climáticas é visto como uma responsabilidade por 72% dos herdeiros de empresas familiares brasileiras, segundo levantamento inédito da consultoria PwC.
A pesquisa, que ouviu 1.306 negócios no mundo, indica que, a missão é levada mais a sério entre no Brasil que em outros países: globalmente, 47% dos sucessores se enxergam responsáveis nesse mesmo sentido.
As sucessões ajudam as empresas a incluírem políticas ambientais, sociais e de governança corporativa (resumidas na sigla ESG, em inglês) no cotidiano como uma necessidade para a sobrevivência dos negócios, mas também como uma forma de ampliar mercados e margens de lucro, avaliam alguns desses novos líderes. Afinal, são temas cada vez mais caros a investidores e consumidores.
O desafio, contam eles, é aprender a lidar com a complexidade de demandas e processos decorrentes dessas mudanças — que podem ajudar a conter, por exemplo, o desmatamento e os maus-tratos a animais. Isso pode significar romper com o estilo de administração das gerações anteriores.
Agricultura regenerativa
O paulista Felipe Vilella, de 29 anos, viu a citricultura focada em laranja e limão-taiti que o bisavô uruguaio mantinha em Limeira (SP) se descontinuar. Apesar do carinho pela plantação, nenhum dos descendentes conseguiu criar uma estratégia para manter o negócio.
Para tentar resgatar a tradição familiar, há quatro anos Felipe se tornou cofundador da reNature, com foco na agricultura regenerativa.
— O modelo que meu bisavô utilizava para o plantio era de monocultura. Hoje, tenho espécies que são cultivadas para fazer a cobertura do solo e que se tornam matéria orgânica para torná-lo mais fértil. O novo desenho do negócio mostra que as práticas sustentáveis são, sim, economicamente viáveis — diz Vilella.
Idealizada em Amsterdã, capital da Holanda, onde ele morou dez anos atrás, a reNature também atua no Brasil e chega a lucrar anualmente R$ 5 milhões. Além da produção, as atividades incluem consultoria para grandes marcas, como Nespresso, Unilever e Danone — todas em busca de melhores práticas no manejo agrícola.
— O mundo está muito turbulento diante das mudanças climáticas, da pandemia e de outros fatores. Por isso, os novos líderes precisam desenvolver seus próprios planos para manter o crescimento necessário e estarem atentos às práticas ESG. Os jovens têm papel importante e precisam encontrar o próprio espaço para fazer acontecer dentro do meio familiar, sem medo de seguir caminhos diferentes — diz Helena Rocha, sócia da PwC Brasil.
A carioca Amanda Pinto, de 31 anos, começou em 2013 a virar a chave da Mantiqueira, produtora de ovos fundada pelo pai, Leandro Pinto, no interior de Minas Gerais em 1989. Aos 22 anos, após cursar Administração, abandonou um emprego para se dedicar ao negócio da família.
Criou o setor de marketing para abrir ao público detalhes sobre a maior produção de ovos da América do Sul, com 11,5 milhões de galinhas e atuação também voltada para agropecuária. Aos 30, ela fundou a foodtech N.ovo para produzir alimentos à base de vegetais, incluindo os que imitam ovos e frango, como um braço da empresa do pai.
— Na primeira reunião sobre a N.ovo, fiquei assustado, mas meu sócio foi o primeiro a apoiar a Amanda. Depois, passei a sonhar junto com ela. Quando comecei o meu negócio, não tinha esse olhar para a sustentabilidade — relembra Leandro, de 54 anos.
Ele ainda revela que chegou ser alertado pelo Ministério Público (MP) sobre a necessidade de aprimorar a destinação do esterco produzido nas granjas, hoje transformado em fertilizante:
— Minha visão sobre essas práticas foi mudando com os filhos e as novidades propostas pelas novas gerações.
O que motivou Amanda a criar a N.ovo foi a alta demanda crescente de consumidores por produtos “amigos do meio ambiente”. Em 2019, ela já tinha convencido os conselheiros da Mantiqueira a investir na criação de aves em granjas livres de gaiolas. Assim, a empresa já “libertou” mais de um milhão de galinhas e, até 2025, pretende ampliar a marca para 2,5 milhões — em um aceno para clientes e investidores que buscam produtos de origem animal e livres de maus tratos.
— Vi conselheiro cochilando e até fazendo piada de mim nas vezes em que levava ideias sustentáveis para reuniões corporativas. Mas, conforme fui demonstrando meus pontos com pesquisas e dados de mercado, muitos entenderam que aquela era uma demanda real — conta Amanda, relembrando seu principal argumento: — Se a gente não saísse na frente, seríamos uma nova Kodak (a empresa de fotografia analógica que perdeu mercado com a popularização das câmeras digitais).
Reinvenção do negócio
É legítimo, e até mesmo necessário, o temor de perder espaço no mercado. O levantamento mais recente da PwC mostra que, enquanto 75% dos herdeiros acreditam que suas empresas podem ser capazes de liderar o mercado quando o assunto é sustentabilidade, só 35% dos que responderam à pesquisa já estão inseridos na ampliação de investimentos nessa área pelos negócios familiares.
Professor associado da Fundação Dom Cabral (FDC) nas áreas de governança corporativa e sucessões, há 30 anos Jairo Gudis auxilia herdeiros que assumem posições de comando. Segundo ele, falta estratégia na maior parte das empresas:
— Poucas empresas têm um planejamento estratégico e sabem onde querem chegar. A passagem de bastão faz com que os negócios deixem de ser de um só dono e passem a um processo decisório compartilhado. Sem estratégia, pode haver um hiato no crescimento e as empresas acabarem ameaçadas, principalmente quando não conseguem observar questões sociais, ambientais e de governança.
Especializada em Direito Ambiental, a advogada Ana Luci Grizzi alerta que as empresas podem acabar criando um discurso de preservação da natureza que não se aplica na prática do negócio ou que seja simplesmente o cumprimento das legislações, criando situações de greenwashing (quando anunciam medidas positivas, ligadas à agenda verde, que nunca saem do papel) ou rainbow washing (caso semelhante, porém ligado a atitudes sociais).
— Empresas precisam seguir as normas ambientais vigentes, as quais se aplicam independentemente do posicionamento delas. A mesma lógica vale para o cumprimento de normas trabalhistas, de saúde e segurança, de direito do consumidor e direitos humanos, que também se aplicam independentemente de posicionamento — pontua Ana Luci.
O empenho dos herdeiros e das empresas responde, de fato, a uma demanda do público, segundo pesquisa da consultoria Opinion Box, realizada com 2,2 mil pessoas em 2021: 63% afirmaram que dão preferência a marcas reconhecidas por cuidarem do meio ambiente.
É a essa parcela majoritária dos consumidores que se volta Tobias Chanan, de 45 anos, fundador da Urban Farmcy, que produz hambúrgueres de origem vegetal desde o ano passado. Inspirado pela veia empreendedora da família, que foi dona de uma confecção gaúcha, Chanan comandou a gigante de cosméticos The Body Shop e, agora, trilha um novo caminho.
— As práticas sustentáveis geram grande valor para as empresas e ajudam na produtividade, na qualidade de entrega, no engajamento do consumidor e nas alianças com outros negócios que têm o mesmo posicionamento — diz o empresário, que aponta obstáculos no caminho. — As demandas socioambientais deixam o negócio mais desafiador, inclusive porque a legislação em vigor não foi feita para impulsionar empresas que nascem com essa filosofia.
Fonte: João Paulo Saconi, O Globo