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Foodtechs nadam de braçada com leite vegetal

De Administrador SH
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Consumo do público flexitariano praticamente dobrou em uma década no Brasil

Leite de aveia, amêndoas, castanhas, coco, arroz. Não faltam opções de bebidas vegetais além da soja. A cultura, que por muito tempo dominou esse mercado, com o peso do agronegócio e dos transgênicos, vem perdendo espaço para novas alternativas que crescem com a pegada vegana e sustentável e a promessa de melhor experiência de consumo, para atender um público mais consciente.

O surgimento de foodtechs (startups de alimentação) no País a partir de 2014, tais como Positive Brands (A Tal da Castanha), VidaVeg e NotCo, abriu o leque de possibilidades no setor ao trazerem inovações em ingredientes, rótulos limpos (clean label), sabores e texturas mais similares ao leite animal, inclusive no aspecto nutritivo, alcançando grupos de consumidores além de veganos, vegetarianos e alérgicos.

Pesquisa feita pela Dupont na América Latina, em 2020, indica que 67% dos brasileiros têm interesse em proteínas vegetais, o que explica o crescimento do consumo e de empresas no País nos últimos anos. Somando gigantes de alimentos, como Ades, Vigor, Batavo, Danone e Nestlé, hoje há 44 marcas no Brasil atuando no mercado de bebidas vegetais em nível nacional, segundo mapeamento realizado em agosto pelo The Good Food Institute (GFI).

Embora predominante, o consumo do leite de soja caiu 64% em volume nos últimos cinco anos (2016-2021), enquanto bebidas feitas com outras matérias-primas, como amêndoas e castanha-de-caju, cresceram 540% no mesmo período no Brasil. É o que mostram dados atualizados da Euromonitor International obtidos com exclusividade pelo Estadão. A previsão, até 2026, é de alta de 84%, enquanto a soja amargará uma queda de 52%.

“Hoje, o consumo das bebidas de soja ainda é superior às demais alternativas, que são categorias recentes no Brasil. Mas a perspectiva é que nos próximos anos esses volumes vão se igualar com a queda da soja, puxada por uma mudança na motivação do consumo”, explica Gregory Ribeiro, analista de pesquisa da Euromonitor International. “Houve uma mudança de percepção em relação ao impacto ambiental da soja, associada ao agronegócio não sustentável.”

As projeções indicam que as novas matérias-primas devem valer mais do que o dobro das bebidas de soja até 2026, o equivalente a R$ 376,9 milhões, com alta de 103%, ante R$ 148,7 milhões da soja (baixa de 50% entre 2021 e 2026).

China, EUA, Alemanha, Espanha e Reino Unido lideram a corrida de leites vegetais, mas o Brasil segue acompanhando a tendência e tem oportunidade de evolução. A marca mineira Vida Veg, por exemplo, aumentou em 85% a venda de bebidas à base de plantas de janeiro a julho deste ano, em comparação com o mesmo período de 2020. A previsão é dobrar o faturamento do ano passado, que já foi superado.

Na última semana, a empresa, no mercado desde 2015 com portfólio de produtos à base de plantas, recebeu aporte de R$ 18 milhões da X8 Investimentos, gestora que tem Bill Gates e Pierre Omidyar, fundador do site eBay, como parceiros.

Segundo Anderson Rodrigues, sócio-diretor da Vida Veg, os recursos serão usados em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, tecnologia e ampliação da fábrica em Lavras, no sul de Minas Gerais.

Inaugurado em 2020, o espaço tem, atualmente, capacidade produtiva de 900 toneladas por mês, sendo 565 toneladas de leite vegetal, que são distribuídos para 4 mil pontos de venda em todo o País, além de e-commerce.

“Temos a perspectiva de, até 2025, crescer dez vezes o faturamento em relação a 2020”, diz o sócio-diretor da Vida Veg, que não revela cifras. A companhia ainda planeja iniciar as exportações para a Europa até o fim do ano.

Leite com o mesmo teor de cálcio

O mais novo produto da Vida Veg, que chega aos supermercados neste mês, é o Veg Milk, um blend de castanha-de-caju e coco fresco que se propõe a ter o mesmo valor nutricional do leite de vaca. A produção é feita na fábrica da companhia, de onde também saem os outros quatro tipos de leites vegetais: aveia, coco, amêndoas e castanha-de-caju.

“O nosso diferencial é que, além de comercializar o leite longa vida (UHT), que é padrão do mercado, desenvolvemos a tecnologia de leites frescos”, destaca Rodrigues. Ao contrário do UHT, a bebida fresca tem um tratamento térmico mais brando, o que, segundo ele, ajuda a preservar os micronutrientes, a cremosidade e o sabor.

Para lançar o Veg Milk, a empresa fez uma pesquisa entre consumidores que ainda não substituíram a bebida de origem animal. Os motivos apontados foram a quantidade de proteínas e cálcio e a cremosidade presente no leite de vaca.

“A partir desses três fatores, lançamos o que chamamos de um produto igual, só que melhor, porque tem 70% menos carboidrato e não contém lactose, caseína e colesterol, além de ter selo vegano e ser sustentável”, explica o executivo.

Em termos nutricionais, o Veg Milk traz o mesmo valor de proteína e cálcio de um leite de vaca, e é enriquecido com biocálcio orgânico, magnésio e vitaminas D e K2. Por usar tecnologia própria, chega ao mercado a um custo aproximado de R$ 9,98 (700ml), valor inferior à média do mercado plant-based.

Atenta à demanda do mercado, as indústrias têm focado no desenvolvimento de produtos que proporcionem experiência sensorial similar aos de origem animal e que contenham aspectos nutricionais normalmente esperados para democratizar o acesso.

Foi o que observou a cearense Positive Brands, foodtech pioneira no mercado de leites vegetais no Brasil com A Tal da Castanha (ATDC). Em julho deste ano, a marca lançou a linha Possible com 40% da necessidade diária de cálcio e valor inferior às demais da companhia. A caixinha de Possible custa cerca de R$ 13,90, enquanto o ATDC tem preço médio de R$ 19,90.

Nos sabores original e chocolate, a bebida, à base de castanha-de-caju orgânica e clean label (com ingredientes naturais), chega aos supermercados como um produto mais acessível, segundo Rodrigo Carvalho, sócio-fundador da marca, em termos de custo e por ter sabor e textura mais parecidos com o leite de vaca. A ideia é atrair consumidores que ainda não conseguiram encontrar um substituto para a bebida animal.

Além do Possible, a foodtech, que nasceu como uma startup dentro da indústria de castanha-de-caju em Fortaleza, tem outros nove tipos de leite com bases vegetais variadas. Entre os lançamentos mais recentes, estão a bebida de aveia e uma linha infantil vegana. Ainda estão previstos para este ano novos produtos prontos para beber.

“Tivemos um crescimento muito expressivo na pandemia. De 2019 para 2020, o faturamento passou de R$ 27 milhões para R$ 45 milhões. Para este ano, a expectativa é chegar aos R$ 90 milhões, uma alta de quase 100% ao ano”, revela Carvalho.

A joint venture com o Grupo 3Corações em 2020, que detém 50% da Positive Brands, ajudou a companhia, diz o executivo, a ganhar capilaridade e velocidade para penetração no mercado. De 2019 para 2020, aumentaram de 7 mil para 22 mil pontos de venda e devem chegar aos 30 mil até o fim do ano, fora o e-commerce e negócios fechados com marcas estratégicas, como Starbucks.

Assim como a Veg Milk, a Positive Brands também pretende iniciar, até o próximo ano, o processo de internacionalização da marca, inicialmente, para os Estados Unidos e alguns países da Europa.

Aveia e castanha ganham mais espaço no mercado de leites vegetais

Com pegada sustentável, aveia requer 92% menos água e emite 71% menos gás carbônico que leite de vaca; preço ainda é desafio no setor

Se num primeiro momento, o mercado de leites vegetais era protagonizado pela soja, hoje a cultura concorre com uma série de matérias-primas. Só no Brasil, segundo levantamento do The Good Food Institute (GFI), são ao menos 15, fora os blends (misturas). Disputam espaço nas gôndolas, por exemplo, produtos de aveia, castanhas, amêndoa, coco, arroz, quinoa, milho, amendoim, nozes, trigo, avelã, cevada e macadâmia.

“Essas matérias-primas ganharam espaço no mercado do varejo tradicional a partir de 2019. São produtos mais novos que o consumidor está experimentando e comprando com maior frequência”, destaca Gregory Ribeiro, analista de pesquisa da Euromonitor International.

Somente nos Estados Unidos, o leite de aveia passou o de soja e se tornou o segundo mais consumido em 2020, atrás apenas da bebida de amêndoa, de acordo com dados da SPINS, empresa de tecnologia de dados voltada para o bem-estar.

Um ano depois, ocorreu a estreia dos laticínios de origem vegetal na Nasdaq exatamente com uma produtora de aveia. A sueca Oatly, que conta com Oprah Winfrey e Jay-Z como investidores, levantou US$ 1,4 bilhão em maio em sua oferta pública inicial de ações (IPO).

“No Brasil, o consumo da bebida de soja ainda é muito grande, mas vem caindo nos últimos anos. Já as demais alternativas ao leite de vaca estão crescendo rapidamente e conquistando novos consumidores, como os flexitarianos, pelo sabor e apelo de saúde e bem-estar”, destaca Ribeiro.

O público flexitariano, principal consumidor das proteínas vegetais, cresceu 73% no Brasil, passando de 29% em 2018 para 50% em 2020, de acordo com o GFI. São pessoas que optam por reduzir a ingestão de derivados de animais, sem necessariamente interrompê-la, por motivos de saúde, atenção à sustentabilidade e ao bem-estar animal.

Segundo Alberto Gonçalves Neto, sócio da AGN Consultoria e Negócios, especializada em negócios plant-based, a procura por rótulos limpos (com poucos ingredientes e sem nomes complicados na lista) cresceu com a pandemia. “Quem consome produtos vegetais é bem informado e costuma ler os ingredientes. Já há startups brasileiras desenvolvendo até mesmo leites à base de plantas nutricionalmente personalizados.”

Dentre as matérias-primas que mais crescem globalmente no setor, a aveia vem conquistando o apetite de consumidores e empreendedores também no Brasil. Já existem ao menos dez marcas da bebida no mercado, como Isola Bio, Naveia, Natuterra, Natures Heart, Nesfit e Jasmine.

Lançada em dezembro de 2020 na capital paulista, a Nude, foodtech focada apenas em leite de aveia, captou R$ 2,5 milhões para iniciar o negócio. Em seis meses, recuperou o valor investido e cresceu 800%.

A empresa foi fundada por Giovanna Meneghel e Alexander Appel, após observarem o sucesso da bebida na Alemanha. O casal deixou Berlim e voltou ao Brasil para empreender na área. Em menos de um ano, já prevê produzir 1 milhão de litros em 2021, com matéria-prima do Paraná.

“A aveia entrega mais sabor, não deixa o leite aguado, tem leve dulçor e funciona melhor do que os demais ingredientes quando usado junto a café, chá e bebidas quentes. Além de ser livre de alergênicos e não ter glúten, é uma matéria-prima saborosa”, diz a CEO Giovanna.

O portfólio contempla cinco produtos (de R$ 16 a R$ 19 o litro), sendo três orgânicos, todos sem glúten e sem açúcar: original (com aveia, água e sal), baunilha, cacau, cálcio e barista. Mas já estão previstos lançamentos para este ano e aumento da distribuição, inclusive, em food services, tendência do mercado plant-based que tem alavancado o consumo. Dos 700 pontos de venda atualmente, 350 são cafeterias independentes.

“O contato com a marca num ambiente onde o consumidor tem uma boa experiência, como uma cafeteria, faz toda a diferença. É o que vai fidelizá-lo”, salienta a CEO da Nude.

Fora a performance, a sustentabilidade do leite de aveia também chama a atenção. A produção requer menos água (92%), terra (91%) e emite quantidade inferior de gás carbônico (71%) do que o leite de vaca, segundo relatório da Nude, com dados de estudo da Universidade de Oxford (Poore and Nemecek, 2018).

A Nude, por exemplo, já nasceu neutra em suas emissões. A foodtech informa no rótulo de seus produtos a pegada de carbono ao longo de toda a cadeia (cerca de 0,34 kg/CO2 por caixinha). A iniciativa rendeu uma menção honrosa na lista World Changing Ideas 2021, organizada pela revista americana Fast Company, na categoria Best World Changing Ideas LATAM.

“Vimos que os consumidores levam as questões climáticas em conta ao escolherem um produto. Gostamos de dizer que fazemos tudo com aveia, até mudar o mundo”, brinca Meneghel.

Leite vegetal em pasta para beber e comer

Com uma alternativa flexível e prática em mãos, os curitibanos Paola Stier e Thiago Lorusso lançaram em novembro do ano passado o Nice Milk, um leite vegetal concentrado, em formato de pasta, feito apenas com castanha-de-caju, sem aditivos.

Um pote do produto rende 6,5 litros de leite vegetal e é vendido a R$ 54,90 (R$ 8,45 por litro). “Criamos a pasta para a nossa antiga empresa de sorvete e começamos a usá-la em casa despretensiosamente, já que a Paola é chef de cozinha vegana”, lembra Thiago. “Descobrimos o produto de maneira acidental e investimos cerca de R$ 10 mil para lançá-lo no mercado com outra proposta”, acrescenta Paola.

Desde janeiro, a empresa do casal, a marca Nice Foods, já cresceu mais de 500% somente com fluxo de caixa. A expectativa é faturar acima de R$ 1 milhão até o fim do ano. A maior parte das vendas é via e-commerce e, para isso, investem em produção de conteúdo e ações educativas na internet para democratizar o alimento.

“Vamos lançar em breve novos sabores de leite concentrado: de aveia; análogo com aroma do leite de vaca; e fortificado com cálcio. O Nice Milk veio para ser o leite mais versátil do mercado. Como diz o slogan, dá para fazer leite, creme de leite, queijo e o que a imaginação permitir”, diz Paola.

Tributação ainda é desafio

Fechar a equação saudabilidade, sabor e preço ainda é um desafio do setor. O valor final do produto leva em conta não somente o custo das matérias-primas como também a tributação no Brasil, superior à do leite convencional, que ainda recebe incentivos fiscais.

O leite de vaca tem um total de 11% de subsídio diminuindo o preço final, enquanto o leite vegetal tem uma carga tributária total de 29% aumentando o seu custo, considerando uma média das alíquotas de ICMS da região Sudeste e somando incentivos, créditos e tributos (ICMS, PIS/COFINS e IPI).

Ou seja, a diferença no preço final das bebidas gira em torno de 40%, sendo que o impacto pode ser ainda maior, já que o custo/preço do leite vegetal é maior do que o animal, segundo estimativas de Anderson Rodrigues, sócio-diretor da Vida Veg.

A indústria vem tentando equiparação tributária, assim como ocorreu com a bebida de soja, para entregar um preço menor. “As empresas de proteína alternativa se organizaram em um grupo de trabalho na Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI) formado para representar seus interesses junto ao governo”, explica Alexandre Cabral, diretor de políticas públicas do GFI Brasil.

Paralelamente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou uma Tomada Pública de Subsídios, que vai até setembro, com o intuito de fomentar as discussões sobre a regulação dos plant-based, em aspectos como nomenclatura, embalagem e padrão de qualidade.

De acordo com Daniel Trento, coordenador geral de Articulação para Inovação, o Mapa ainda está construindo, junto aos principais players do setor a base de um Plano Nacional de Proteínas Alternativas.

“Esses movimentos representam grandes avanços. Indicam que o governo percebeu essa tendência de mercado e está dando espaço para a sociedade ser ouvida”, afirma Alexandre.

Fonte: Por Juliana Pio, PME – Estadão

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