Operação pode levantar R$ 8 bi, mas uma das maiores acionistas é contra o negócio
A aprovação, no começo da semana, de uma oferta secundária de ações (follow on) da gigante do setor de proteína animal BRF em uma assembleia de acionistas abre caminho para a Marfrig aumentar sua participação na companhia e, eventualmente, preparar-se para uma fusão futura.
No entanto, analistas de mercado avaliam que outros acionistas relevantes da BRF dificilmente aceitaram diluir suas participações para que a Marfrig assuma o controle da empresa.
A Marfrig é uma das maiores produtoras de carne bovina do mundo e comprou ações da BRF em 2021. Atualmente é o maior acionista da empresa, que concentra sua atuação em aves e suínos, com 31,66% do capital.
Na assembleia, o fundo de pensão Petros, de funcionários da Petrobras, votou contra a operação; O fundo Previ, dos empregados do BB, se absteve. Os dois fundos de pensão estão entre os principais acionistas da empresa.
Para advogados ouvidos pelo GLOBO, o caso deve gerar questionamentos da Petros junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pode até mesmo se tornar alvo de uma arbitragem.
Oferta tem potencial de levantar R$ 8 bi
Em comunicado ao mercado nesta terça-feira, a BRF afirmou que haverá uma oferta de 270 milhões de ações, que pode ser sucedida de uma oferta adicional de 20%, ou seja, de 54 milhões de ações.
O follow on é restrito a investidores profissionais e só poderá ter participação de, no máximo, 50 investidores.
Considerando-se o preço dos papéis da BRF no fechamento do pregão de segunda-feira (R$ 24,75), a oferta poderia levantar entre R$ 6,7 bilhões e R$ 8 bilhões para a companhia, que pretende usar os recursos para reduzir seu endividamento.
O aumento de capital foi endossado por 81,7% dos acionistas presentes na assembleia, que representam 68,5% das ações disponíveis da BRF.
O mercado reagiu mal às incertezas que rondam o negócio: as ações da BRF caíam 6,59% às 17h, cotadas a R$ 23,12. Já as da Marfrig recuavam 2,54%, avaliadas em R$ 22,66.
Petros indica que não vai abrir espaço
Se a Marfrig subscrevesse todas as novas ações, chegaria a 51,19% da BRF, considerando-se a composição acionária atual da empresa. Este cenário, porém, é improvável devido à resistência de outros acionistas relevantes da BRF em terem sua participação diluída na operação.
É o caso do fundo de pensão Petros, que detém hoje 7% do capital da BRF e votou contra o follow on na assembleia por considerar o momento ruim. Os papéis da BRF estão em um preço considerado baixo.
Outro acionista relevante é a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, que tem 6,1% do capital da BRF e se absteve na assembleia.
— O follow on hoje foi bastante criticado pela Petros e pela Previ porque hoje as ações da BRF estão descontadas, o que é ruim para o investidor que tem ações da empresa. De qualquer modo, porém, a operação vai ajudar a BRF porque deverá reduzir o nível de endividamento de 2,2 vezes o EBITDA (lucros antes de juros impostos depreciação e amortização), considerado alto, para 1,1 vez — afirma Leonardo Alencar, sócio da XP e diretor do setor de agro, alimentos e bebidas na corretora.
Para o analista, a Marfrig deve aumentar sua participação na BRF, mas é improvável que assuma o controle por enquanto.
Brecha no estatuto pode ser judicializada
A Marfrig pode se beneficiar de uma exceção à cláusula poison pill (pílula do veneno) no estatuto da BRF, que obriga qualquer acionista que exceder a participação de 33,3% de seu capital a fazer uma oferta por toda a companhia com um prêmio sobre a maior cotação média dos papéis de 30 ou 120 dias anteriores.
A regra imporia um custo que inviabilizaria o negócio para a Marfrig, mas não se aplica a acionistas que superem essa fatia das ações em aumentos de capital, caso em que se enquadraria o follow on, na visão de administradores da BRF.
Ao manifestar seu voto contra o follow on, o fundo Petros anexou um parecer de Marcelo Trindade, advogado e ex-presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários, órgão regulador do mercado de capitais), em que se argumenta que a operação não pode se enquadrar na exceção prevista no estatuto.
O documento afirma que a ordem do dia da assembleia de acionistas menciona a aprovação de um aumento de capital, mas diz que “na verdade, as principais condições da operação serão estabelecidas (e, portanto, o aumento de capital será de fato aprovado) pelo conselho de administração” da BRF.
“Essa delimitação de condições de um futuro aumento de capital a ser (possivelmente) deliberado pelo conselho de administração não constitui uma deliberação assemblear de aprovação de um aumento de capital”, argumenta Trindade.
Como o conselho de administração da BRF é que vai delimitar a quantidade de ações emitidas e o preço por ação, para o advogado não se aplica a exceção à poison pill. O parecer indica que a questão deve ser judicializada.
Proposta é genérica em alguns pontos e específica em outros, diz advogado
Para o advogado Bruno Furiati, sócio do escritório Sampaio Ferraz, a manifestação da Petros faz sentido ao questionar a necessidade do aumento de capital no presente momento e por que desenhar a operação de modo a contornar a poison pill.
— A Petros toca em pontos importante e um deles é a destinação dos recursos. A administração da BRF fala em usar o valor (a ser levantado com a oferta de ações) para reduzir dívida líquida, mas não mostra qual será a destinação específica dos valores — ressalta o advogado.
Ele continua:
— A proposta é muito genérica em alguns pontos, mas bem específica em outros, como no desenho de uma oferta restrita. Abre margem para a interpretação de que se adota um caminho transverso para contornar o estatuto e não disparar a poison pill, o que beneficiaria a Marfrig caso a empresa aumente sua posição acionária — opina Furiati.
O advogado afirma que, caso a operação seja levada a cabo e a Marfrig de fato aumente sua participação acionária na BRF para além de 33,3% sem realizar uma oferta pública de aquisição, a Petros e outros acionistas devem recorrer à CVM e a tribunais arbitrais na tentativa de forçar a empresa a fazer a oferta.
— É do interesse da Marfrig o follow on porque vai permitir à empresa aumentar sua posição acionária e a companhia está nos menores níveis de alavancagem (endividamento) de sua história. Não vai passar dos 50% de participação agora no primeiro momento, já terá o bastante para mudar o perfil da companhia e prepará-la para uma fusão futura. Em abril, haverá mudanças no conselho de administração da BRF e a Marfrig deve indicar conselheiros — explica Alencar, da XP.
Fusão seria interessante para Marfrig em momento difícil para BRF
Para o analista, no entanto, a alta de preços de milho e soja, que pressiona os custos da BRF, além das incertezas no cenário macroeconômico, pode fragilizar mais a saúde financeira da empresa.
Uma eventual fusão com a Marfrig é vista como potencialmente positiva porque pode gerar sinergias comerciais relevantes, especialmente em mercados internacionais como Oriente Médio e China, mas tem desafios importantes, na visão da XP.
— É positiva uma diversificação de proteínas para a Marfrig, mas há uma grande diferença de perfil entre a empresa e a BRF hoje. A Marfrig tem um comportamento de mercado de commodity: se o melhor preço é no mercado doméstico, aumenta posição aqui, mas se o real se desvaloriza, muda o foco para o mercado internacional e eventualmente desabastece clientes aqui — afirma Alencar.
Ele continua:
— A BRF não tem esse perfil, faz negociações de longo prazo e garante fornecimento ao longo do tempo. São relações muito diferentes e que podem gerar algum estresse em uma eventual união.
Eventual fusão beneficiaria Marfrig, avalia analista
Para Luiz Carlos Corrêa, da gestora Nexgen, a visão do mercado é de que se trata de uma operação que beneficiaria a Marfrig.
— As ações da BRF estão negociadas abaixo de um valor considerado justo, que seria de um múltiplo de 6 vezes o valor do seu EBITDA: a cotação está abaixo de 5 vezes. Parece haver um movimento do Marcos Molina (presidente do conselho de administração da Marfrig) para assumir uma participação na BRF e a Petros votou contra porque provavelmente enxerga esse movimento — afirma ele.
Para Corrêa, a fusão de BRF e Marfrig geraria uma gigante do segmento de proteína animal capaz de rivalizar com JBS, mas é uma operação com potencial para ser barrada por órgãos reguladores como o Cade.
“Nunca pensamos que a Marfrig seria um acionista passivo da BRF. A companhia tem um longo histórico de fusões e aquisições agressivas e transformadoras”, afirmou o BTG Pactual em relatório quando da aprovação da operação pelo Conselho de Administração da BRF, em dezembro. Para os analistas, a operação “permite à Marfrig exercer o controle sobre a BRF”.
Marfrig e BRF não têm comentado a possibilidade da Marfrig assumir o controle da BRF.
Fonte: Ivan Martínez-Vargas, O Globo