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Do retrovisor para o GPS

De Renata Ruiz
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Evolução da relação varejo/indústria para a criação conjunta de valor exige mudança de posicionamento, uso de tecnologia, novos indicadores e parcerias efetivas

Por Renato Müller 

O planejamento comercial do varejo costuma ser feito a partir do retrovisor, olhando os dados do passado e a partir dali projetando o futuro. Para ter sucesso em um mundo cada vez mais instável e que se move em alta velocidade, porém, é preciso mudar: a nova atitude é como a de um GPS, entendendo onde está o cliente hoje para construir o futuro. 

“Em alguns varejistas, 80% das vendas são para clientes que já estão no CRM. Já nós, da indústria, temos visibilidade de 90% do sell out dos nossos clientes varejistas, e com isso conseguimos construir um modelo de distribuição muito mais efetivo. Esse é um poder enorme para fazer ativações de maneira muito mais eficiente e gerar valor para todo o ecossistema”, afirma Liel Miranda, presidente da Mondelez Brasil, durante o painel final da ABRAS’23, em Campinas (SP). 

Para o executivo, para que varejo e indústria se desenvolvam de forma mais eficiente, é preciso atuar em parceria. “Mas não se trata de resolver problemas do passado, e sim de criar oportunidades para o futuro. Focar no passado não gera valor e não cria crescimento”, afirma Miranda. Para o executivo, a solução é olhar o que o shopper está buscando e trabalhar para entregar o que ele procura. “Só o foco no cliente gera resultado”, reforça. 

Olhar para a frente está no DNA do Grupo Pão de Açúcar. A rede supermercadista vem passando por uma profunda transformação nos últimos anos, desmembrando a operação de atacarejo (Assaí), saindo do setor de hipermercados e focando nos mercados premium e de proximidade. “O GPA de hoje não é o GPA de 2 ou 3 anos atrás. Olhar a base histórica não nos ajuda a construir o futuro”, afirma Marcelo Pimentel, CEO da empresa. “Precisamos engajar o cliente, mas só com o apoio da indústria conseguimos fazer isso de forma efetiva”, diz. 

Segundo o executivo, ser uma empresa diferente da que era no passado ajudou o GPA a entender ainda melhor a importância de criar relacionamentos sólidos com os fornecedores. “As duas partes precisam sair ganhando. Só assim se cria um relacionamento de confiança, para desenvolvermos investimentos de longo prazo”, comenta. 

Um foco da empresa tem sido a redução da ruptura nas lojas, que era uma das grandes reclamações dos consumidores. Uma questão complicada de resolver em um setor de margens apertadas em um momento de alto custo de capital. “Para resolver, precisamos atuar em parceria com a indústria, revendo a estratégia logística e o uso de dados. Ter um estoque mais saudável melhora nosso planejamento e dá mais visibilidade para as ações dos fornecedores. Ao final, todo mundo sai ganhando: o varejo, o fornecedor e o cliente”, analisa Pimentel. 

No Tenda Atacado, a visão de crescimento foi definida há 5 anos, com base em três pilares estratégicos: foco no cliente, engajamento dos colaboradores e relacionamento com os fornecedores. “Avançamos da criação de planos de negócio em conjunto (JBP) para a criação conjunta de valor (JVC), inicialmente com 32 fornecedores que representavam 50% do nosso volume de vendas, e aos poucos ampliando”, afirma Marcos Samaha, CEO da empresa. “Com eles, estabelecemos um planejamento olhando para o futuro, construindo juntos um caminho de crescimento com foco no que o cliente nos demandava”, explica. 

Alicerces para a criação de valor 

Para que essa jornada tenha sucesso, porém, é preciso contar com uma série de requisitos: confiança entre varejo e indústria, troca regular de informações, dados confiáveis, metodologia, disciplina e um diagnóstico claro do que é preciso fazer para melhorar. Tudo isso desenvolvido de forma consistente. “A consistência é essencial para gerar valor para o cliente, para o fornecedor e para nós”, comenta Samaha. 

Para Liel Miranda, da Mondelez, tudo começa em garantir o abastecimento correto. “Trabalhando com o varejo, reduzimos o estoque dos clientes pela metade e, ao mesmo tempo, a ruptura caiu de 10% para 3%. Isso mostra o potencial de ganhos com uma estrutura de dados consistente e o compartilhamento de informações”, analisa. 

A partir daí, passa a ser possível explorar outras oportunidades. Um exemplo é o melhor aproveitamento do checkout das lojas: em parceria com P&G e GPA, a Mondelez redesenhou essa área das lojas, aumentando as vendas em 20%. “É uma venda incremental que gera ganhos evidentes para o varejo e melhora muito a experiência do cliente no PDV”, conta Miranda. 

Nem todas as ações têm como foco o aumento de vendas. O projeto Mãos na Massa, de treinamento de padeiros em comunidades carentes, e o uso de caminhões elétricos na logística são exemplos de como varejistas e indústrias têm atuado em conjunto para gerar ganhos em aspectos não necessariamente financeiros dos negócios. “Nossa atuação vai além do financeiro, e por isso temos muito a fazer”, comenta Pimentel. 

Já no Tenda Atacado, uma iniciativa em parceria com a Cargill implementou pontos de coleta de óleo de cozinha usado nas lojas da rede. “O consumidor recebe um bônus que pode usar em suas compras, a Cargill coleta e recicla o óleo e nós temos um ponto a mais de relacionamento com os consumidores. Todo mundo sai ganhando”, diz Samaha. Outro exemplo é uma ação em que 50 empresas, entre varejistas e indústrias, estão unidas para aumentar o número de lideranças negras, por meio de programas de capacitação e treinamento. “Essa iniciativa surgiu de um processo de relacionamento entre empresas que se conheciam e confiavam umas nas outras”, explica o executivo. 

Esses e vários outros exemplos, seja em aspectos comerciais, financeiros ou ligados a ESG, mostram que a criação de valor entre indústria e varejo pode assumir várias formas. “O mais importante é que exista a construção de confiança entre as partes, e isso só vem com o relacionamento e com o passar do tempo. Por isso, é um processo de longo prazo, que depende de fazer escolhas e tomar decisões”, comenta Rosana Carvalho, diretora comercial do Advantage Group. 

Para Alfredo Costa, diretor geral da NIQ Brasil, o sucesso só ocorre quando existem objetivos em comum. “Cada vez mais, o varejo e a indústria podem falar a mesma língua, usando KPIs e dados em comum para quebrar os silos internos e as barreiras culturais entre os negócios. Só assim é possível gerar valor em conjunto, com foco no que é melhor para os clientes”, completa. 

 

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