Transação de US$ 13,7 bilhões surpreendeu mercado e marcou transformação na gigante do e-commerce. Qual foi o impacto no setor de supermercados?
*Por Renato Muller
Em agosto de 2017, a Amazon anunciou a compra da rede de supermercados Whole Foods, então com cerca de 450 pontos de venda nos Estados Unidos, por US$ 13,7 bilhões. Além de ter sido, de longe, a maior aquisição feita pela companhia, marcou uma grande mudança estratégica, em que a empresa passou a ter uma presença física relevante – até então, havia apenas ensaios, como as lojas Amazon Books (hoje já descontinuadas).
De lá para cá, a Amazon abriu 60 lojas Whole Foods, além de expandir sua bandeira Amazon Fresh – com um posicionamento de mercado focado em valor – e, principalmente, investir pesado em tecnologia e na integração omnichannel dos pontos de venda. Ainda assim, a presença da Whole Foods no varejo alimentar americano é bem modesta – pouco mais de 1%, segundo a Numerator, contra 19% do Walmart e 9% da Kroger.
Nesta semana, a Whole Foods terá o segundo CEO de sua história de mais de 40 anos: o atual COO, Jason Buechel, assume a liderança da empresa no lugar de John Mackey. Uma mudança importante em um momento relevante, em que a Amazon reforça sua presença no mundo físico, especialmente no varejo de alimentos. No segundo trimestre do ano, como uma espécie de “anúncio dos novos tempos”, as vendas nas lojas físicas subiram 12% na comparação anual, enquanto o faturamento online caiu – o normal era que o online crescesse muito mais que o varejo físico.
Olhando para os últimos 5 anos, o que mudou na Whole Foods? E o que isso aponta para o futuro da empresa?
- A Amazon centralizou algumas áreas corporativas, que estavam espalhadas pelas lojas físicas, para a sede da Whole Foods, em Austin. Por outro lado, aumentou ainda mais o sortimento de produtos locais, com 3.000 marcas regionais nos últimos 5 anos. A compra de produtos continua sendo decidida localmente, para que cada loja tenha fornecedores das proximidades e pequenos produtores possam estar presentes sem estarem presos a grandes contratos (que eles não poderiam atender). A grande diferença é o aumento do uso de dados para definir que itens serão vendidos em cada PDV.
- Ao mesmo tempo em que os programas de certificação de pequenos fornecedores foram acelerados, centenas de colaboradores das lojas foram certificados para atuar em áreas como açougue, peixaria e queijaria das unidades da rede.
- Desde a compra pela Amazon, a Whole Foods mais que dobrou sua lista de ingredientes banidos, para mais de 250. Entre os itens que não entram mais nas lojas da rede estão gorduras hidrogenadas, xarope de milho com alto teor de frutose, adoçantes artificiais e carnes com hormônios ou antibióticos.
- As lojas passaram a usar o sistema de biometria Amazon One, pelo qual é possível pagar compras com a palma da mão. O sistema está em funcionamento em 20 unidades da Whole Foods, com roll-out previsto para mais 65 lojas.
- A Whole Foods também adotou a tecnologia de lojas autônomas da Amazon, o Just Walk Out, em dois pontos de venda (Washington e Los Angeles).
- O mix de produtos de marca própria foi reforçado para oferecer mais opções de itens acessíveis e tirar da Whole Foods o estigma de uma marca cara (“Whole Paycheck”). O programa de fidelidade Prime foi expandido para os supermercados, tanto para ofertas pontuais quanto para benefícios permanentes.
- Ainda no mix, a Amazon aumentou o foco em itens com margens de lucro maiores, especialmente itens de marca própria e itens preparados no PDV. Um exemplo é a linha private label 365, que, apenas no ano passado, teve um aumento de quase 15% em seu sortimento, chegando a 2.200 itens. Ao mesmo tempo em que trazem mais lucros, esses itens reduzem os preços para os consumidores.
Ainda é difícil medir o sucesso da Amazon com a aquisição da Whole Foods, uma vez que a empresa não revela os números por bandeira – apenas pelo negócio de “lojas físicas” como um todo. Mesmo assim, dados externos são animadores: o fluxo de clientes nas lojas, depois de ter caído na pandemia, se recuperou aos níveis de 2017 – antes da aquisição.
A empresa está adotando uma estratégia de “tridente” para sua operação de supermercados, com a Amazon Go para compras de conveniência em grandes centros urbanos, a Amazon Fresh para regiões suburbanas com foco em valor e a Whole Foods em um posicionamento mais premium, embora menos elitizado que antigamente. “Esse é um mix extremamente potente, afirma Ethan Chernofsky, líder de análise de dados na Placer.ai, que analisa o fluxo de consumidores nos PDVs.