Maior parte dos varejistas reduziu os ganhos diante a disparada da inflação para não perder vendas, apura Economatica
A escalada da inflação em 2022 e, especialmente, no segundo trimestre do ano, fez o varejo mexer nas suas margens de lucro. Em abril, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) atingiu o pico de 12,13% em 12 meses, para fechar junho em 11,89% no acumulado anual.
De acordo com levantamento feito pela consultoria Economatica para a Folha, dos 29 varejistas com ações negociadas na Bovespa, 21 reduziram no segundo trimestre a sua margem bruta (diferença entre a receita e o custo da mercadoria vendida), seja em relação ao primeiro trimestre do ano, seja em comparação ao segundo trimestre de 2021.
O levantamento apontou que, entre abril e junho deste ano, os varejistas aplicaram margens brutas entre 10,5% e 67,6%. No período, o indicador apresentou reduções entre 0,1 ponto percentual (p.p.) e 7,5 p.p.
“As reduções na margem bruta indicam que o varejo procurou segurar em parte o aumento da inflação e não repassá-lo na sua totalidade ao consumidor, a fim de não perder vendas”, disse Carlos Vieira, analista-chefe da TC Economatica.
De acordo com Vieira, a tendência é que agora, no segundo semestre do ano, com o incremento do pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 na economia, as varejistas voltem a recompor suas margens –ou seja, repassar todo o custo da inflação.
“Ao mesmo tempo, as empresas tendem a absorver a redução do custo do frete, proporcionada pela queda no preço dos combustíveis”, diz o economista.
A pesquisa da Economatica, uma das maiores provedoras de informações financeiras do país, levou em conta a classificação setorial internacional NAICs Nível 1, onde se encontram a maior parte das varejistas de capital aberto.
As empresas Americanas, C&A, Dimed (dona da rede de farmácias Panvel), Enjoei, Magazine Luiza, Pague Menos, RaiaDrogasil e Via (Casas Bahia e Ponto) não reduziram suas margens no segundo trimestre. Dessas 8, porém, 3 apresentaram queda na receita líquida (Via, Magazine Luiza e Americanas) e 3 registraram prejuízo no período (Magazine Luiza, Americanas e Enjoei).
Quanto ganhou o varejo no 2º trimestre
Margem bruta de 21 dos 29 varejistas na Bolsa recuou na comparação com o 1º tri de 2022 e/ou com o 2º tri de 2021
Empresa | Segmento Bovespa | Receita no 2º tri.22, em R$ milhões | Variação da receita no 2º tri.22 x 1º tri.22, em % | Variação da receita 2º tri.22 x 2º tri.21, em % | Margem bruta no 2º tri.22, em % | Variação da margem bruta no 2º tri.22 x 1º tri.22, em p.p. | Variação da margem bruta no 2º tri.22 x 2º tri.21, em p.p. | Lucro líquido do 2º tri.22, em R$ milhões |
Allied | Eletrodomésticos | 1.269 | -7,2 | -16,90 | 14,4 | 0,30 | -0,1 | 24 |
Assaí | Alimentos | 13.291 | 16,1 | 32,30 | 16,1 | 0,2 | -1 | 319 |
Carrefour | Alimentos | 25.279 | 26,3 | 35 | 18,1 | -0,5 | -1,20 | 620 |
D1000 Farma | Medicamentos e outros produtos | 374,6 | 14,4 | 36,30 | 33,9 | 2,5 | -0,4 | 12,3 |
Embpar | Material de transporte | 219 | 29,6 | -10,70 | 21,20 | -2 | 7 | -1,5 |
Eurofarma | – | 1.675 | -23 | 11,70 | 63,80 | -3,1 | -0,70 | 139,70 |
Lojas Grazziotin | Tecidos vestuário e calçados | 217,8 | 72,60 | 11,5 | 54,2 | -1,20 | 0,1 | 49,2 |
Grupo Mateus | Alimentos | 5.202 | 13,60 | 39,7 | 22,6 | 0,2 | -0,60 | 261,2 |
Grupo SBF/Centauro | Produtos diversos | 1.463 | 8,8 | 30,3 | 45,80 | -0,4 | -0,8 | 32,1 |
Grupo IMC (restaurantes) | Restaurante e similares | 621,5 | 27,5 | 39,5 | 34,80 | 8,5 | -1,3 | -4,80 |
Le Biscuit | Produtos diversos | 178,5 | 7,4 | 13 | 44,30 | -0,70 | -3,6 | -37,2 |
Lojas Marisa | Tecidos vestuário e calçados | 731,40 | 25,6 | 20,5 | 42,30 | -0,60 | 1,40 | -27,8 |
Lojas Renner | Tecidos vestuário e calçados | 3.626 | 38,80 | 45,7 | 60,80 | -0,2 | 1,8 | 360,40 |
Minasmáquinas/Mercedes-Benz | Material de transporte | 203,70 | 36 | 6,5 | 10,5 | -1,3 | 0,70 | 11 |
Mobly Móveis e Decoração | Programas e serviços | 148,70 | -2,7 | -15,3 | 38 | -1,1 | 0,5 | -27,8 |
CDB/Grupo Pão de Açúcar | Alimentos | 10.116 | 0,5 | -14,8 | 25,8 | -0,1 | 0,4 | -173 |
Lojas Quero-Quero | Produtos diversos | 556,1 | 2,90 | 12,10 | 33,6 | -0,70 | -6 | -4,4 |
Track&Field | Vestuário | 131,4 | 16,8 | 39,2 | 54,1 | -5,9 | -5,5 | 17,3 |
Vivara | Acessórios | 469,40 | 39,1 | 29,70 | 67,60 | -0,1 | -0,5 | 89 |
Viveo | Medicamentos e outros produtos | 1.946 | 2,40 | 20,40 | 16,7 | 1 | -6,30 | 45,7 |
WLM/Scania | Material de transporte | 461,5 | 113,60 | -14,4 | 13,4 | -7,5 | 1,6 | 34,4 |
Fonte: Economatica
Na opinião do consultor em varejo Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail, o principal movimento do segundo trimestre foi o aperto na margem líquida (percentual do lucro líquido em relação à receita total).
“Grande parte das empresas de varejo têm algum nível de despesa financeira associada a crédito aos clientes ou ao financiamento da operação”, diz Serrentino. “Com a disparada dos juros, essa despesa financeira ficou muito maior e comprime a margem líquida.”
No caso de grandes varejistas como o Carrefour, que viu a margem bruta diminuir no segundo trimestre do ano, Serrentino acredita que foi uma medida estratégica. “Segurar os preços foi claramente uma iniciativa para não perder participação de mercado”, afirmou.
Procurado, o Carrefour não atendeu ao pedido de entrevista. Também não atenderam a reportagem as empresas Grupo Pão de Açúcar, Assaí, Renner, Marisa, SBF/Centauro, IMC, Track & Field e Grupo Mateus.
5G E COPA DEVEM MOVIMENTAR VENDA DE ELETRÔNICOS, APOSTA ALLIED
A varejista eletrônicos Allied confirma que o maior problema tem sido o custo do dinheiro. “O custo do crédito foi o principal fator para comprimirmos as margens no primeiro e no segundo trimestres”, afirma Silvio Stagni, presidente da Allied.
Segundo ele, a inflação dos eletrônicos é lastreada em dólar e, apesar de alguns picos de alta da moeda este ano, não houve uma grande variação em relação ao ano passado.
Ao mesmo tempo, o mercado de eletrônicos apresentou um desempenho excepcional nos anos de 2020 e 2021, lembra, por conta do aumento das atividades online. “Agora voltamos ao patamar de 2019, com a diferença de enfrentarmos uma taxa de juros bem maior.”
A empresa tem um ecommerce próprio (Mobcom), é revendedora autorizada das marcas Apple, Google, HyperX e Xiaomi em grandes marketplaces, e opera 160 pontos de venda da Samsung no país.
O executivo, porém, está otimista com o segundo semestre. “A chegada do 5G movimenta o mercado de smartphones, aumentando o tíquete médio da categoria”, afirma.
Como exemplo, ele cita o levantamento da consultoria GfK, que apontou preço médio de R$ 1.350 para um smartphone 4G, enquanto um aparelho 5G custa R$ 3.055.
Stagni lembra que em novembro ocorre o tradicional melhor momento para as vendas de TVs, a Copa do Mundo, que neste ano será realizada no Catar.
“Infelizmente, a data coincide com outro momento de peso para os eletrônicos, a Black Friday”, afirma. “A gente acaba perdendo uma data, mas, de qualquer forma, as margens devem começar a melhorar.”
Para o consultor em varejo Eugênio Foganholo, da Mixxer Desenvolvimento Empresarial, neste terceiro trimestre o consumo ainda está andando de lado.
“Mas os últimos meses do ano devem se mostrar bem aquecidos”, diz Foganholo. “Depois das eleições, com a definição de um novo mandato presidencial, independentemente de quem assume, o consumidor vai ficar com a confiança renovada”, afirma o consultor.
Na visão de Foganholo, segmentos que demandam financiamento, como eletrônicos e material de construção, devem ser mais favorecidos. “Ainda que, objetivamente, não haja muito dinheiro disponível”, diz.
Carlos Vieira, da Economatica, concorda que as festas de fim de ano e o aumento da geração de emprego devem impulsionar o varejo no último trimestre, com destaque para os segmentos de vestuário e cosméticos. “Mesmo que estes empregos não venham acompanhados de aumento da renda.”
Já Alberto Serrentino acredita que a perspectiva do segundo semestre depende do cenário de juros para o próximo ano. “A inflação já está cedendo, embora com base em medidas temporárias e considerando a variável combustíveis”, diz.
“Mas se o preço do combustível seguir um movimento de acomodação e queda no mercado internacional, e caso não haja qualquer outra turbulência global que provoque novos surtos inflacionários, a inflação brasileira pode observar uma tendência de queda, com recuo nos juros”, afirma. “O que melhoraria imediatamente o cenário para o varejo, com um alívio nas despesas financeiras.”
Fonte: Daniele Madureira, Folha SP