Após três anos, caem os vetos à negociação da megafábrica em Abu Dhabi
Desde que chegou à BRF, o mineiro Lorival Luz nunca teve vida fácil. Da Operação Carne Fraca à contenda societária entre os fundos de pensão e Abilio Diniz, o executivo também não contou com a ração barata — um benefício que os antecessores tiveram. Mas a sorte pode estar mudando.
Depois de um primeiro trimestre catastrófico, que precipitou um corte de 25% nos cargos de diretoria, a BRF está começando a colher os frutos da decisão de ajustar drasticamente a oferta de aves nas granjas, o que já se traduziu numa recuperação dos preços da carne de frango — em dólar e reais — e engordou as margens. Em bolsa, a ação da BRF ainda amarga queda de 30%.
Quando a fase melhora, até o que parecia impossível acontece. Ontem, a BRF conseguiu encerrar um embargo histórico. Depois de três anos, a Arábia Saudita derrubou a decisão que proibia a megafábrica de alimentos processados de Kizad, em Abu Dhabi, de exportar ao mercado saudita.
A liberação vai permitir à companhia retomar a venda ao país de produtos como frango empanado ou marinado, com maior valor agregado, complementando a atual entrega do produto in natura a partir do Brasil.
Em retrospectiva, o veto saudita à fábrica dos Emirados Árabes Unidos foi um dos maiores baques para o negócio da BRF no Oriente Médio, onde a companhia é líder histórica graças ao pioneirismo de Sadia e Perdigão ao desbravar o mercado saudita na década de 1970. Sadia, cuja marca quase se confunde com o nome da nação saudita, é a marca líder na região.
As restrições da Arábia Saudita à fábrica de Abu Dhabi atendiam a uma estratégia do governo, que deflagrou um plano para aumentar a autossuficiência em frango. Em resposta, os árabes passaram a exigir que os estrangeiros investissem na produção em solo saudita.
A BRF entendeu o recado, mas a verdade é que o retorno da fábrica de Abu Dhabi demorou muito mais que o previsto. Nesse meio tempo, a dona da Sadia anunciou a aquisição de uma fábrica menor na Arábia Saudita — em maio de 2020, fechou a compra da Sharqiya Food Production Factory, por US$ 8 milhões.
A maior tacada, no entanto, só veio neste ano. Em abril, a BRF firmou um acordo com um fundo soberano da Arábia Saudita para criar uma joint venture — a dona da Sadia terá 70% da sociedade — que investirá US$ 350 milhões na produção de frango.
Com as movimentações e principalmente com exportação direta a partir do Brasil, a BRF conseguiu garantir seu segundo mercado global. A Arábia Saudita respondeu por 6,7% do faturamento da BRF no ano passado, um volume de R$ 3,2 bilhões.
Ao que tudo indica, as diversas sinalizações da companhia despertaram a boa vontade dos sauditas – não à toa, a BRF ficou imune ao embargo que eliminou a Seara (marca da JBS) do mercado saudita no ano passado.
Para a BRF, a liberação da fábrica para vender aos sauditas é claramente positivo. Quando vetou a unidade em 2019, a Arábia Saudita era responsável por aproximadamente 30% da demanda de processados produzida em Kizad. Agora, a dona da Sadia está livre para explorar o mercado enquanto ainda matura os investimentos no território árabe.
Enquanto isso, os concorrentes também tiveram de se aproximar dos árabes e investir no país. A JBS, por exemplo, anunciou em abril a compra de duas fábricas no Oriente Médio (uma nos Emirados Árabes e outra na Arábia Saudita) e indicou Mohamed Mahrous como CEO para a região.
A Tyson, maior companhia de carnes dos Estados Unidos, anunciou um acordo na mesma direção, comprando participações em duas companhias sauditas (15% em uma subsidiária da Tanmiah, que produz frango, e 60% na Supreme Foods Processing Company, de alimentos processados). Com isso, garante o suprimento local de frango para vender ao McDonald’s da região. A companhia americana usava frango da Malásia, mas ficou sem essa possibilidade após o país do Sudeste Asiático proibir as exportações.
Para a BRF, o fim do embargo pode ser sinal de tempos mais auspiciosos.
Fonte: Luiz Henrique Mendes, Valor