Cresce a expectativa no mercado sobre possível fusão no setor de carne
Dona das marcas Sadia e Perdigão, a BRF anunciou nesta terça-feira a troca do comando da empresa. Lorival Luz, que há três anos estava à frente da operação, renunciou ao cargo. Em seu lugar, entrará Miguel Gularte, que atualmente ocupa o posto de presidente da Marfrig, uma das maiores produtoras de carne bovina globais, e já foi executivo da JBS.
A indicação também é avaliada por analistas como um primeiro passo para uma possível fusão das duas companhias, gigantes globais nos segmentos de carnes em que atuam. A saída de Gularte para a BRF, leva Rui Mendonça, diretor geral de industrializados da Marfrig, ao posto de CEO da empresa.
No mercado, a mudança na BRF era dada como certa depois que o empresário Marcos Molina, fundador da Marfrig, tornou-se o maior acionista da companhia, ao comprar 33,25% das ações da empresa. A aquisição de papéis foi aprovada pelo Cade, órgão de defesa da concorrência.
Molina começou a ampliar sua participação na BRF em maio de 2021 mas, na época, afirmou que comprar ações da companhia era uma forma de diversificar seus investimentos, sem perspectiva de influenciar sua administração.
Mas não foi isso que aconteceu. Foram investidos mais de R$ 7 bilhões em ações para conquistar a atual posição acionária. E, em março passado, Molina foi indicado à presidência do Conselho de Administração da BRF. Agora, dá mais um passo para imprimir sua marca na empresa, uma das principais produtoras de frango e suínos do mundo.
Mudança é bem-vista no mercado
Analistas de mercado avaliaram a troca como positiva. Gularte tem experiência no segmento de proteínas animais, tendo passado por empresas como JBS, onde atuou como presidente da JBS Mercosul, e Minerva, como vice-presidente internacional.
Gularte está na Marfrig desde 2018, como presidente da operação na América do Sul. É médico veterinário e tem histórico de quase 40 anos no setor de carne bovina. Segundo especialistas do setor, Gularte tem o mérito de ter tornado a Marfrig mais eficiente que suas concorrentes neste período, com foco em rentabilidade e eficiência. No segundo trimestre, dos R$ 21,6 bilhões de receita líquida que a Marfrig obteve, R$ 7,1 bilhões saíram da operação da América do Sul, um aumento de 42% em relação ao mesmo período do ano passado.
Alinhado com o principal controlador da BRF, ele fará agora sua estreia nos negócios de frangos e suínos. A expectativa é que repita a boa performance mostrada na Marfrig. Mesmo assim, os especialistas não descartam que seus desafios à frente da BRF sejam grandes, especialmente o de recuperar a confiança dos investidores na empresa, que vive uma sucessão de resultados financeiros ruins.
Para analista, é uma surpresa positiva
Para Leonardo Alencar, analista de agro, alimentos e bebidas da XP, a chegada de Gularte é uma surpresa positiva. Embora ele não seja um especialista em frangos e suínos, possui a cultura do setor de proteína animal, tendo passado por empresas importantes. Alencar avalia que como o setor de carne bovina tem mais volatilidade, enquanto o de frangos e suínos é “mais estável”, essa transição será mais suave.
— A BRF já errou ao indicar CEOs sem a cultura do setor. Mas Gularte é um dos melhores do segmento de proteínas no Brasil e a transição deverá ser positiva. A expectativa é que a BRF ganhe mais agilidade nas decisões, deixando de perder oportunidades de negócio — avalia Alencar, observando que o novo presidente poderá trazer melhora das margens na operação da empresa, como fez na Marfrig, além de ampliar as exportações.
O especialista da XP também acredita que a chegada de Gularte tem potencial para resgatar a confiança do investidor na BRF.
Imbróglio envolveu Abilio e fundos de pensão
A empresa teve problemas no passado recente com desentendimentos entre acionistas, como os fundos de pensão Previ e Petros, a gestora Tarpon e a Península, do empresário Abilio Diniz.
O impacto das desavenças na imagem e na gestão da empresa foi brutal e, em 2017, a BRF teve um prejuízo de R$ 1,1 bilhão. Os desentendimentos levaram à saída de Abílio Diniz da presidência do Conselho de Administração, que foi assumido por Pedro Parente, ex-presidente da Petrobras.
Além disso, a empresa ainda sofre restrições no mercado europeu após a Operação Carne Fraca, em 2018, quando a BRF foi investigada por uso de material impróprio na fabricação de alimentos. Alencar, da XP, observa que a companhia ainda vive um momento sensível do ponto de vista financeiro, tendo apresentado um primeiro trimestre ruim em resultados, com recuperação no segundo.
Primeiro sinal de uma fusão esperada
A chegada de Gularte à BRF pode ser o primeiro sinal para uma possível fusão com a Marfrig. As duas apresentam linhas de produtos complementares, são duas gigantes do setor e podem obter ganhos comerciais em mercados como China, outros países da Ásia e Oriente Médio.
— Não se fala abertamente de fusão, mas este pode ser um primeiro passo — observa Alencar.
O analista Gabriel Meira, especialista da Valor investimentos, também acredita que a sinalização é de fusão. Para ele, Gularte pode melhorar a governança da BRF e otimizar a operação, aproveitando as oportunidades que existem na exportação de carnes com o aumento da procura pelos produtos no exterior. Também deverá unificar setores da BRF, enxugando a operação.
— E depois, faz sentido uma fusão, que embora não tenha dado certo lá atrás, pode acontecer, apesar de ambas as empresas negarem. Primeiro, será preciso arrumar a casa na BRF. Depois, pode ser criada uma das maiores empresas do mundo em proteína animal — diz o analista da Valor.
Fonte: Por João Sorima Neto